Entrevista com Paulo Bernardo Lindoso e Lima, autor da obra Decodificando o Precedente Judicial: A partir de Niklas Luhmann

20/11/2021

A entrevista de hoje é com o autor da obra Decodificando o Precedente Judicial: A partir de Niklas Luhmann, Paulo Bernardo Lindoso e Lima.

O livro está disponível para venda no nosso site na versão impressa, com envios a partir do dia 08/12!

 

1. Paulo, poderia falar um pouco sobre o tema do livro?

O livro propõe uma leitura do que a comunidade jurídica costuma chamar de precedente judicial, utilizando as ferramentas da teoria dos sistemas sociais autopoiéticos, que começou a ser desenvolvida pelo sociólogo alemão Niklas Luhmann por volta da década de 70. É uma teoria muito interessante, que se vale de conceitos oriundos da biologia, cibernética, matemática, comunicação, só para citar alguns, desconstruindo-os até os mínimos detalhes para então descrever um arquétipo teórico sobre a sociedade. A expressão decodificando no título do livro, que não deve ser confundida com as metodologias sistematizadas de obras sobre a dogmática jurídica, é na verdade um jogo de palavras: um dos elementos da teoria luhmanniana é o conceito de códigos e programas, e o que o livro busca levar ao leitor é uma compreensão do papel do precedente, na sociedade e no sistema social do direito, à luz desses e de outros tantos elementos dessa fascinante teoria.

 

2. Como foi o processo de criação da obra?

O primeiro (e maior) desafio foi dominar – na medida do possível – as ferramentas da teoria autopoiética. Luhmann teve uma extensa produção sobre sistemas sociais, ao longo de cerca de 30 anos de pesquisa dedicada a esse tema, com contribuições relevantes sobre os subsistemas da religião, educação, economia, política, direito, arte etc. Com esse arsenal conceitual em mãos, passei a trabalhar a ideia de precedente judicial e seus fundamentos históricos, e a propor as relações possíveis entre uma coisa e outra.

 

3. Como a obra pode contribuir para o meio jurídico?

Bom, de saída é preciso confessar que o livro possui uma abordagem zetética, e as reflexões ali desenvolvidas não estão voltadas para o cotidiano forense. No entanto, para além do debate teórico, acredito que uma das contribuições do livro é difundir mais o pensamento de Luhmann por aqui. Há excelentes autores brasileiros que se dedicam ao tema há muitos anos, como Celso Fernandes Campilongo, Marcelo Neves, Guilherme Leite Gonçalves, Ulisses Schwarz Viana, por exemplo, mas esse instrumental teórico no geral ainda é pouco conhecido de grande parte do público. Em um momento no qual estão fervilhando as discussões sobre direito e tecnologia, proteção de dados, inteligência artificial, prolongamento artificial da vida humana e outras tantas, a utilização do viés proposto por Luhmann pode ser de grande valia nas pesquisas do meio jurídico. Há muitas conexões ainda inexploradas a respeito dessas temáticas, e suspeito que a teoria da sociedade pode ser útil para, no mínimo, compreendê-las melhor.

 

4. Qual a importância de debater esse tema?

Ao olhar desatento, precedente judicial pode parecer um tema “batido”. Há extensa produção na bibliografia brasileira sobre esse instituto, descrevendo suas características e narrando sua construção histórica, mas o debate acadêmico em boa medida acabou se concentrando na discussão, até mesmo um pouco shakespeariana, sobre o precedente à brasileira ser ou não ser um precedente de verdade como há no Common Law – “eis a questão”, digamos. Ora, é claro que o que chamamos de precedente aqui é diferente do que chamam de precedente lá; esse não deveria ser o ponto nevrálgico do debate. Já ouvi certo jurista dizer que só no Brasil há precatórios e jabuticabas... Então por que é tão difícil aceitar que tropicalizamos o precedente judicial? O livro passa ao largo desse debate e procura estudar o precedente sob um ponto de vista eminentemente teórico-funcional, sugerindo um novo enfoque para possíveis discussões.

 

5. Qual aprendizado você teve ao estudar, escrever e analisar o tema?

É preciso pensar fora da caixa. O direito não se encerra em si mesmo, é apenas parte integrante de um mundo cada vez mais complexo e interconectado. É óbvio que sem a dogmática o jurista nem “sai de casa”, mas precisamos fazer um esforço para ampliar a visão além das fronteiras das teorias clássicas e estimular diálogos com outras fontes de conhecimento. O direito, a bem da verdade, já não dá conta de muita coisa, e os índices alarmantes de desigualdade social na população brasileira dão sinais de que a Constituição vem tendo dificuldade de cumprir seus programas. Se ficarmos olhando para o direito unicamente presos ao cabresto do meio jurídico, não tenho dúvida de que os desafios da pós-modernidade serão ainda mais árduos. Será que essa retórica, como diria Caetano, terá que soar e terá que se ouvir por mais “zil” anos?

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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