Juiz de SP reconhece que inadimplemento mínimo é empecilho à reintegração de posse

20/01/2017

Por Redação - 20/01/2017

O Juiz de Direito da Comarca de Campinas-SP, Bruno Luiz Cassiolato, negou o pedido de reintegração de posse formulado por Companhia de Habitação. Das 52 parcelas de pagamentos ajustadas entre as partes, os réus inadimpliram apenas as últimas 7.

A Companhia de Habitação Popular de Campinas alegou que firmou com os réus compromisso de venda e compra de bem imóvel e que, durante a execução do acordo, eles se tornaram inadimplentes quanto ao pagamento das prestações ajustadas. Por essa razão, a autora requereu a rescisão do contrato e a reintegração da posse do imóvel. Os réus, apesar de regularmente citados, não ofertaram contestação. 

“É preciso ressaltar que a autora é entidade que existe justamente para viabilizar e garantir o direito constitucional de moradia, de modo a exaltar, ao final, a dignidade da pessoa humana. Essa é sua função precípua”, afirmou o magistrado. 

Confira a íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1038184-35.2015.8.26.0114

Classe - Assunto: Reintegração / Manutenção de Posse - Rescisão / Resolução

Requerente: COMPANHIA DE HABITAÇÃO POPULAR DE CAMPINAS - COHAB

Requerido: C. E. de M. e outro

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Bruno Luiz Cassiolato

Vistos.

Companhia de Habitação Popular de Campinas - COHAB, no exercício regular de direito constitucional de ação, deduziu pretensão em face de C. E. de M. e C. A. dos S. A Autora alega, em síntese, que firmou com os Réus um instrumento particular de compromisso de venda e compra de bem imóvel e que, durante a execução da avença, eles se tornaram inadimplentes quanto ao pagamento das prestações ajustadas. Assim, a Autora pretende ver declarada a rescisão do contrato em questão e a sua reintegração na posse do imóvel. A inicial veio instruída com os documentos de fls. 35/89.

Os Réus, apesar de terem sido regularmente citados, não ofertaram contestação (fls. 95/96).

É o relatório. Decido.

Na forma do artigo 355 do Código de Processo Civil, possível o julgamento do feito no estado em que ele se encontra, seja porque a matéria fática está bem posta por meio dos documentos existentes nos autos, seja porque os Réus deixaram de apresentar contestação.  

Conforme acima relatado, a Autora pretende ver declarada a rescisão do instrumento particular de venda e compra de bem imóvel firmado com os Réus em razão da inadimplência e, consequentemente, almeja obter a reintegração de sua posse.

Os Réus, a despeito de regularmente citados, não ofertaram resistência ao pedido, incidindo, assim nos efeitos da revelia.

Um dos efeitos da revelia é a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo requerente, como se sabe. Vale salientar, entretanto, que a presunção de veracidade recai sobre os fatos, somente sobre eles, de modo que o julgamento a respeito da procedência ou improcedência do pedido formulado pela Autora depende, em verdade, da maneira pela qual deve ocorrer a subsunção de tais fatos ao ordenamento jurídico.

Assim, no caso dos autos, é inegável, não apenas em razão da revelia, mas porque nada indica o contrário, que os Réus estão inadimplentes em relação à obrigação que assumiram junto à Autora.

É preciso averiguar, no entanto, mais do que isso.

Observo que os Réus adimpliram efetivamente a maior parte da obrigação que possuem junto à Autora. Das 52 parcelas de pagamentos ajustadas entre as partes, os Réus inadimpliram apenas as últimas 7.

Há que se levar em conta, assim, que os Réus promoveram o adimplemento substancial da obrigação que assumiram com a Autora. A dívida que os Réus possuem é de aproximadamente R$ 1.050,47.

Diante desse contexto, portanto, entendo que o pedido formulado pela Autora não comporta acolhimento, pois não se faz possível, em razão do acima exposto, promover a rescisão pretendida e muito menos a reintegração da posse do imóvel.

E isto não se conclui apenas em razão do inadimplemento mínimo, ou, por outro ângulo, em função do adimplemento substancial levado a cabo pelos Réus.

É preciso ressaltar que a Autora é entidade que existe justamente para viabilizar e garantir o direito constitucional de moradia, de modo a exaltar, ao final, a dignidade da pessoa humana. Essa é sua função precípua.

A Autora não é pessoa jurídica de direito privado que tem por objetivo a obtenção de lucro atuando no mercado imobiliário. Não. Sua função primordial é dar suporte, a baixo custo, para que a população economicamente hipossuficiente tenha possibilidade de morar com dignidade.

Encontra-se no sítio eletrônico da própria Autora qual é sua história e quais são seus  objetivos, conforme segue:

"História

A COMPANHIA METROPOLITANA DE HABITAÇÃO DE SÃO PAULO

A Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB-SP foi criada em 1965 com a finalidade de favorecer o acesso à habitação digna à população de menor renda, obedecendo às normas e critérios estabelecidos pelo Governo Municipal e pela legislação federal. Nossa missão é promover soluções de habitação popular na região metropolitana de São Paulo e para isso desenvolvemos programas habitacionais, promovemos a construção de novas moradias, por meio de aquisição e comercialização de terrenos e glebas. Esse objetivo começa dentro da empresa com o comprometimento de todos os servidores em atender bem nossos clientes com uma equipe de profissionais preocupados em melhorar a qualidade de vida da população" (http://cohab.sp.gov.br/Historia.Aspx)

Não se ignora o fato de que os recursos públicos são escassos e que o pagamento das contraprestações por parte dos contemplados com um imóvel popular serve não apenas para retribuir o imóvel que receberam, ainda que de maneira subsidiada, mas também para permitir a contemplação de outros interessados.

Isso não justifica, contudo, a rescisão contratual, a reintegração da posse do imóvel e o despejo de uma família em razão de valor reduzido que foi inadimplido. Essa conduta contraria a própria razão de existir da Autora e, pior, os ditames constitucionais atinentes ao direito à moradia e à dignidade da pessoa humana.

É lícito à Autora buscar o crédito que possui por meios próprios, seja administrativamente, seja judicialmente. Não se pode afastar da Autora o direito de receber a contraprestação que lhe é devida pelos Réus, e isso é inquestionável.

O que não se pode tolerar é que, em arrepio à dignidade da pessoa humana, ao direito à moradia constitucionalmente previsto, e que após o pagamento da maior parte das parcelas devidas, havendo inadimplência de apenas 7, em montante equivalente a valor pouco superior a um salário mínimo, uma família seja despejada e colocada na rua, sem qualquer alternativa.

Em razão do quanto dispõe o artigo 5º da LICC, no sentido de que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum", não há outra solução possível que não o reconhecimento da improcedência do pedido formulado pela Autora nestes autos.

Assim, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil,  JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados nestes autos pela Autora.

Sucumbente, arcará a Autora com as custas processuais e despesas que por ventura tenha desembolsado. Deixo de condená-la ao pagamento de honorários de sucumbência eis que a parte contrária não constituiu profissional da advocacia para representá-la.

Com o trânsito em julgado, ao arquivo.

P.R.I.C.

BRUNO LUIZ CASSIOLATO

JUIZ DE DIREITO

Campinas, 15 de setembro de 2016.


Imagem Ilustrativa do Post: Famílias de Barbosa recebem chaves da casa própria // Foto de: Governo do Estado de São Paulo // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/governosp/16270899338/

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura