Reflexos da emenda constitucional N.66/10 na capacidade sucessória do cônjuge separado de fato (Art. 1830 CC)

05/08/2016

Por Edenilza Gobbo e Larissa Thielle Arcaro – 05/08/2016 

Em tese, o paradigma da culpa foi abandonado pelo ordenamento jurídico brasileiro para fins de rompimento do casamento. Entretanto, ao olhar para o Código Civil, verifica-se que ainda há resquícios do antigo modelo quando se trata do direito de herança.

A pergunta é, afinal, quando a separação de fato exclui o direito à herança do cônjuge sobrevivente? Para respondê-la, levar-se-á em consideração as mudanças trazidas pela Emenda Constitucional n. 66/2010 ao §6° do artigo 226 quanto às regras para dissolução do casamento.

1 Breve panorama das hipóteses de sucessão do cônjuge no Código Civil

Como é cediço, o cônjuge figura no Código Civil com a qualidade de herdeiro necessário (art. 1.845), tendo assim, garantida a legítima. Mais precisamente, a pessoa casada aparece em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, nos termos do art. 1.829 do Código Civil, cabendo-lhe a totalidade da herança quando inexistirem ascendentes ou descendentes do de cujus (e este não tiver deixado testamento).

Se, todavia, o falecido tiver deixado ascendentes ou descendentes, na dicção do já referido art. 1.829 do Código Civil, o cônjuge, dependendo do regime de bens adotado, se torna herdeiro concorrente, sucedendo simultaneamente aos parentes consanguíneos (isto é, descendentes ou ascendentes).

Segundo Venosa (2012, p. 137), “a intenção do legislador foi tornar o cônjuge sobrevivente herdeiro quando não existir bens decorrentes da meação. [...] O sentido da lei foi, sem dúvida, proteger o cônjuge, em princípio, quando este nada recebe a título de meação.”

Sob tal raciocínio, dessume-se, pois, que haverá concorrência sucessória entre cônjuge e descendentes quando o casamento daquele com o de cujus se deu sob os regimes da comunhão parcial de bens (desde que existam bens particulares), da separação absoluta (convencional) de bens ou da participação final nos aquestos (GAMA, 2003). Ademais, não havendo descendentes, há concorrência entre o cônjuge e os ascendentes, consoante a lei substantiva, independentemente do regime de bens eleito no casamento havido com o de cujus. Não existindo representante de nenhuma dessas classes, receberá sozinho o cônjuge o patrimônio transmitido.

Convém ressaltar que a legitimidade sucessória não se confunde com o direito à meação. A metade dos bens comuns pertence ao cônjuge sobrevivente separado de fato, não integrando a herança do de cujus, e depende do regime de bens estabelecido para o casamento, uma vez que, em se tratando de separação absoluta de bens (separação convencional), não há que se falar em meação (DIAS, 2011).

De acordo com Lôbo (2013, p. 121), os fundamentos para a inclusão, no Código Civil de 2002, do cônjuge no rol de herdeiros necessários (e consequente abandono do status de herdeiro facultativo – afastável por testamento – que possuía no código pretérito) é a:

[...] transformação social das famílias, que, cada vez mais, se distanciam da concepção tradicional de grupos de parentes consanguíneos em prol da concepção de grupos unidos por laços de afetividade, solidariedade, convivência, cuidado, para os quais a proximidade e integração de seus membros são mais relevantes que o laços mais distantes de parentesco.

Nesse sentido, o autor explana que é mais razoável a proteção da legítima de quem conviveu de maneira mais próxima com o falecido, caso do cônjuge, em detrimento do direito sucessório de colaterais (ex.: irmão, tio, primo) e da conservadora ideia de manutenção do patrimônio na família extensa (formada por laços sanguíneos), frisando, contudo, que tal proteção deve ser conferida ao cônjuge que convivia de fato com o de cujus no momento da morte deste.

Sob essa ótica, da simples leitura do artigo 1.830 do Código Civil, extrai-se, de forma incontroversa, que não há sucessão legítima para o separado judicialmente ou para o divorciado:

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

O imbróglio erige-se, no entanto, quando se trata de separação de fato. Conforme o dispositivo legal supracitado, o cônjuge tem direito à sucessão se a separação de fato ocorreu há menos de dois anos, independentemente de se perquirir a existência de culpa do supérstite; ademais, no caso de inexistir culpa do sobrevivente, o direito à sucessão se estenderia ao separado de fato por mais de dois anos (isto é, sucederia a qualquer tempo).

2 A incoerência da legitimidade sucessória do cônjuge separado de fato

A respeito da legitimidade do cônjuge supérstite separado de fato, inicialmente, convém trazer à baila o que preceituava o art. 1.611 do Código Civil de 1916 (redação de 1977), in verbis: A falta de descendentes ou ascendentes será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal”.

Como se vê, segundo tal diploma, o cônjuge separado de fato não era excluído da sucessão legítima, uma vez que apenas com a dissolução da sociedade conjugal se operaria a exclusão, não sendo suficiente a separação fática. Não obstante, segundo Cláudia de Almeida Nogueira (2010, p. 108):

Na vigência da legislação anterior, predominava na doutrina e jurisprudência o justo entendimento que deveria suceder aquele que vivia com o autor da herança à época do óbito. Assim, se o falecido era separado de fato e vivia em união estável, o(a) companheiro(a) herdava, afastando o cônjuge da sucessão. A sociedade conjugal existia de direito, mas não de fato. Porém, não havia regulamentação expressa do art. 1.830 CC/2002 de conferência do direito sucessório ao separado de fato, há mais de dois anos, desde que inocente.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2003) sustenta que as situações de separação de fato não foram previstas no período anterior ao Código Civil de 2002 com o fito de impedir o reconhecimento do direito sucessório em favor do cônjuge sobrevivente faticamente separado.

Na mesma senda, Zeno Veloso (2001) salienta que o não reconhecimento do direito sucessório ao cônjuge sobrevivente que estava separado de fato do falecido era previsto nas Ordenações Filipinas (Livro IV, Tìtulo 94) e que Teixeira de Freitas, na Consolidação das Leis Civis, em seu art. 973, consignou que, na ordem dos cônjuges, a herança seria reconhecida em favor do cônjuge sobrevivente contanto que, ao tempo do falecimento, o casal vivesse junto habitando a mesma casa.

Vê-se, pois, que o Código Civil de 2002, ignorando a orientação doutrinária e jurisprudencial já prevalecente à época de sua aprovação, insistiu em prolongar efeitos do casamento e prestigiar a pessoa casada, conferindo-lhe legitimidade sucessória mesmo após a separação de fato.

Todavia, esse prestígio é totalmente desarrazoado. Consoante lecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2015, p. 243), tecendo considerações acerca do artigo 1.830 do Código Civil, como o fundamento que subjaz ao deferimento do direito sucessório do cônjuge é “a convivência, a mútua colaboração, material e imaterial, para alcançar objetivos comuns do núcleo familiar”, na circunstância de, por ocasião da abertura da sucessão, estar o casal divorciado, separado judicialmente ou separado de fato, termina a “solidariedade recíproca que justificaria a transmissão sucessória”, não subsistindo, pois, direito hereditário do cônjuge sobrevivente.

Sobre o cerne da controvérsia, isto é, quanto ao prazo de dois anos durante o qual permaneceria o direito à herança e à culpa como fundamento para prolongar tal direito por período indeterminado, os doutrinadores supramencionados explicam que (p. 244):

O aludido prazo, efetivamente, é inócuo e especioso. A referência à culpa é completamente fora de tempo e de propósito. A uma, porque o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo, em jurisprudência firme, que a simples separação de fato, independentemente de prazo, cessa a produção de todo e qualquer efeito do casamento, por conta da ruptura de sua base afetiva. [...] A duas, porque uma interpretação sistêmica do Código Civil conduz, por mãos seguras, à impossibilidade de exigência de qualquer lapso temporal. Com efeito, o disposto no §1º do art. 1.723 da Codificação estabelece a possibilidade de caracterização de união estável pela simples separação de fato de um dos companheiros, independentemente de qualquer prazo. E, não se esqueça, a relação convivencial gera efeitos sucessóriso (CC, art. 1.790). A três, porque a culpa se mostra, contemporaneamente, irrelevante para a dissolução do casamento e, por consequência natural, para a aquisição hereditária. [...] Assim sendo, pode a separação de fato, independentemente de prazo, fazer cessar efeitos matrimoniais de cunho pessoal ou patrimonial, inclusive sucessórios – até mesmo por conta da possibilidade de estarem os separados de fato em uniões estáveis devidamente caracterizadas.

Outrossim, argumentam os autores que beneficiar o cônjuge separado de fato da forma proposta pela lei redundaria em enriquecimento sem causa (arts. 884 e 885 do CC), “por conta da ausência de colaboração recíproca a justificar o recebimento patrimonial” (p. 245), pensamento com o qual comunga Maria Berenice Dias (2008, p. 54).

De mais a mais, sublinha-se que a previsão legislativa em voga é sobremaneira colidente com os interesses de quem convive em união estável. Diz-se isso porque, na conjectura de a pessoa casada, mas separada de fato, iniciar uma união estável, a teor da conjugação dos arts. 1.790 e 1.830 do CC, companheiro e cônjuge sobreviventes (este separado de fato há menos de dois anos ou, se não tiver culpa, por tempo indeterminado), poderiam ser considerados herdeiros em concorrência. Essa solução, aliás, não é a única, nem é a mais gravosa ao convivente, havendo quem sustente que seria caso de afastar o convivente da sucessão e conferir os direitos sucessórios ao cônjuge sobrevivente (NOGUEIRA, 2010, p. 108). Há, claro, corrente que se posiciona em favor do companheiro, garantindo apenas a ele a herança.

De qualquer sorte, é evidente o prejuízo derivado do hipotético rateio da herança e giza-se que similar “benevolência” não ocorreria em relação ao companheiro sobrevivente, ou seja, no caso de ruptura da convivência, elementar da união estável, o ex-companheiro deixaria de ser herdeiro imediatamente. Dessarte, a admissibilidade, pelo art. 1.830 do CC, da participação do cônjuge separado de fato na herança também abre espaço para mais uma situação de discriminação entre os institutos da união estável e do casamento, o que é claramente inconstitucional, na visão de Maria Berenice Dias (2008, p. 151/152):

De modo absolutamente injustificável, a lei empresta tratamento desigual ao casamento e à união estável no âmbito do direito sucessório. [...] As diferenças são absurdas. O tratamento diferenciado não é somente perverso, é escancaradamente inconstitucional. No mesmo dispositivo em que assegura especial proteção à família, a Constituição reconhece a união estável como entidade familiar, não manifestação preferência por qualquer de suas formas (CF 226 §3º). A lei que veio regular a norma constitucional inseriu o companheiro na mesma posição do cônjuge, conferindo-lhe a totalidade da herança na falta de ascendentes e descendentes (L 8.971/1994 2º).

Não obstante, observam-se, não raramente, decisões no sentido da possibilidade de reconhecimento da legitimidade sucessória do cônjuge separado de fato. Para ilustrar, confira-se o julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina a seguir colacionado (grifo nosso):

AGRAVO DE INSTRUMENTO. [...] HABILITAÇÃO SUPERVENIENTE DA CÔNJUGE SOBREVIVENTE. FILHOS QUE IMPUGNAM A QUALIDADE DE HERDEIRA DA EX-ESPOSA AO ARGUMENTO DE SEPARAÇÃO DE FATO DO CASAL HÁ MAIS DE DOIS ANOS. DESCISÃO INTERLOCUTÓRIA AFASTANDO A EX-CÔNJUGE DA SUCESSÃO. [...] RECURSO DA CÔNJUGE SOBREVIVENTE. ALEGAÇÃO DE POSSIBILIDADE DA CÔNJUGE CONCORRER COM OS DESCENDENTES DO DE CUJUS. SUBSISTÊNCIA. EXEGESE DO INCISO I, DO ARTIGO 1.829, DO CÓDIGO CIVIL. EXCEÇÃO À CAPACIDADE SUCESSÓRIA RESTRITA AOS CASAMENTOS ESTABELECIDOS SOB O REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL E SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. UNIÃO EM FOCO ESTABELECIDA SOB O REGIME CONVENCIONAL DE SEPARAÇÃO PATRIMONIAL. EVIDENCIAS DA SEPARAÇÃO DE FATO DO CASAL POR MAIS DE DOIS ANOS. IRRELEVÂNCIA. POSSIBILIDADE LEGAL DE MANUTENÇÃO DA CONDIÇÃO DE HERDEIRA, COMPROVADA A INEXISTÊNCIA DE CULPA PELA SEPARAÇÃO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 1.830 DO CÓDIGO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE, CONTUDO, DE ANÁLISE DA CONTROVÉRSIA NO BOJO DOS AUTOS DO INVENTÁRIO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. QUESTÃO DE ALTA INDAGAÇÃO. DECISÃO NULA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 984, 1.000, PARÁGRAFO ÚNICO, E 1.001 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DECISÃO NULA. REMESSA DAS PARTES AO CONTENCIOSO ORDINÁRIO. MANUTENÇÃO DA RESERVA CAUTELAR DO QUINHÃO SUB JUDICE NA FORMA COMO DEFERIDA EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA RECURSAL. RECURSO PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2008.024655-2, de Tubarão, rel. Des. Denise Volpato, j. 10-05-2011).

O Superior Tribunal de Justiça, em decisão recente, deixou transparecer a possibilidade de reconhecer direito à herança no caso de separação de fato por prazo superior a dois anos (grifo nosso):

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. SEPARAÇÃO DE FATO HÁ MAIS DE DOIS ANOS. ART. 1.830 DO CC. IMPOSSIBILIDADE DE COMUNHÃO DE VIDA SEM CULPA DO SOBREVIVENTE. ÔNUS DA PROVA. 1. A sucessão do cônjuge separado de fato há mais de dois anos é exceção à regra geral, de modo que somente terá direito à sucessão se comprovar, nos termos do art. 1.830 do Código Civil, que a convivência se tornara impossível sem sua culpa. 2. Na espécie, consignou o Tribunal de origem que a prova dos autos é inconclusiva no sentido de demonstrar que a convivência da ré com o ex-marido tornou-se impossível sem que culpa sua houvesse. Não tendo o cônjuge sobrevivente se desincumbido de seu ônus probatório, não ostenta a qualidade de herdeiro. 3. Recurso especial provido. (REsp 1513252/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 12/11/2015).

Com efeito, constata-se que, a despeito de a doutrina apontar o flagrante descompasso com a Constituição Federal e com o estado da arte do Direito de Família, o art. 1.830 do Código Civil segue sendo aplicado nas claquetes do cenário jurisdicional hodiernamente.

3 A extinção do lapso temporal como requisito do divórcio e os reflexos da Emenda Constitucional n. 66/10 na capacidade sucessória do cônjuge separado de fato

Em apertada síntese, a Emenda Constitucional nº 66, que modificou o art. 226, §6º, da Constituição Federal, expurgou do texto constitucional todas as disposições acerca da separação judicial, suprimindo, também, os prazos para o divórcio e, como consectário, tornando inexigível prévia separação judicial ou medida cautelar de separação de corpos pelo prazo de um ano (art. 1.580 do CC) ou separação fática por mais de dois anos para ajuizamento de ação de divórcio (denominado, nas duas primeiras hipóteses, de indireto e, na última, de direto).

Conforme Maria Berenice Dias (2013, p. 307) tal emenda constitucional “baniu o instituto da separação do sistema jurídico pátrio”, remanescendo apenas o divórcio, que, concomitantemente, “rompe a sociedade conjugal e extingue o vínculo matrimonial”.

Ao par dos automáticos efeitos ao Direito de Família, há que se observar que a atuação do poder constituinte derivado reformador também irradiou consequências ao Direito das Sucessões. Explica Paulo Lôbo (2013, p. 124/125, grifos nossos) que:

A culpa não tem espaço no direito das sucessões. Após a EC-66, a culpa confinou-se ao âmbito próprio do direito de família: o das hipóteses de anulabilidade do casamento, tais como vícios de vontade aplicáveis ao casamento, a saber, a coação e o erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge. O mesmo argumento se aplica ao requisito temporal (dois anos de separação de fato), porque sua relação com a redação originária do §6º do art. 226 da Constituição era visceral, por coerência lógica. Se a dissolução voluntária do casamento dependia do requisito prévio de dois anos de separação de fato, este mesmo tempo deveria ser considerado para fins de extensão dos direitos sucessórios do cônjuge separado.

Assim, “além da ausência de fundamentos legais, históricos, morais e constitucionais das circunstâncias impostas na segunda parte do art. 1.830 o Código Civil”, também é possível sustentar a inaplicabilidade do aludido dispositivo legal em razão da revogação tácita decorrente da superveniência da Emenda Constitucional n. 66/2010.

Isso porque o prazo de dois anos previsto como espécie de “período de graça” de direitos hereditários possuía como razão subjacente manter a coerência com o interregno por que permaneceriam os cônjuges separados faticamente impossibilitados, por imperativo constitucional (redação original do art. 226, §6º, da CF) e legal (art. 1.580, §§1º e 2º, do CC), de obter o divórcio; desaparecendo o pressuposto temporal para o divórcio, porquanto suprimido o prazo de dois anos da Constituição Federal e extinto o instituto da separação judicial (e, junto dele, a relevância da culpa para a dissolução da sociedade conjugal), esvaziou-se a razão de ser da proteção reservada ao cônjuge separado de fato, que pode a qualquer momento se divorciar, não mais possuindo, desse modo, a legislação privatista correspondência com a Constituição Federal, baliza normativa e interpretativa máxima, contra a qual (na sua redação originária ou em face de emenda constitucional) não há direito adquirido (LÔBO, 2013).

Em suma, seguindo-se tal lógica, compreende-se revogada a parte final do art. 1.830 do Código Civil, de forma que a simples separação de fato seria suficiente para excluir, de imediato, o cônjuge supérstite do direito à herança, independentemente de verificação da culpa.

4 Considerações finais

À luz do que leciona a doutrina e em uma interpretação lógica e sistemática do ordenamento jurídico, com a superveniência da Emenda Constitucional n. 66/2010, ao art. 1.830 do Código Civil deveria ser empregada leitura no sentido de que a separação de fato já extingue os direitos sucessórios dos cônjuges mútua e imediatamente.

Destaca-se que isso não refletiria prejuízo algum ao consorte supérstite, uma vez que não se confundem as massas patrimoniais em relação às quais deve haver meação (a que o separado de fato faz jus) e sucessão; tão somente iria corrigir, ao menos nesse aspecto, a desigualdade existente entre os institutos da união estável e do casamento e iria evitar o enriquecimento sem causa – chancelado pela lei – do cônjuge sobrevivente.

Tal compreensão exsurge ainda mais forçosa ao se pensar na hipótese de constituição de união estável pelo cônjuge separado de fato. Por óbvio, existindo a sociedade conjugal apenas de direito e não de fato, não é plausível que o cônjuge sobrevivente, alguém afastado do de cujus, receba seus bens em detrimento daquele com quem o falecido manteve relação íntima de convívio até o os derradeiros momentos de sua vida.


Notas e Referências:

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2ª ed., 2011. _________. Manual de Direito das Famílias. Revista dos Tribunais: São Paulo, 9ª ed., 2013. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – v. 7 – Sucessões. Atlas: São Paulo, 2015. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil. Sucessões. Atlas: São Paulo, 2003. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Sucessões. Saraiva: São Paulo, 2013. NOGUEIRA, Claudia de Almeida. Direito das Sucessões. Comentários à Parte Geral e à Sucessão Legítima. Lumens Juris: Rio de Janeiro, 4ª ed., 2010. VELOSO, Zeno. Direito Sucessório dos Companheiros. IBDFAM. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Ouro Preto – MG – Outubro de 2001. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Direito das Sucessões. Atlas: São Paulo, 12ª ed., 2012. [2] Pós-graduanda em Direito Processual Civil da Universidade do Oeste de Santa Catarina; Pesquisadora; e-mail: larissat_smo@hotmail.com

.

Edenilza Gobbo é Mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina, Professora titular do Curso de Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina e Advogada.

E-mail: gobbo30@hotmail.com.

.

Larissa Thielle Arcaro é Pós-graduanda em Direito Processual Civil da Universidade do Oeste de Santa Catarina e Pesquisadora.

E-mail: larissat_smo@hotmail.com.


Imagem Ilustrativa do Post: Pareja (Couple) // Foto de: Daniel Lobo // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/daquellamanera/2213880833/

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura