Qual a relação entre o Constitucionalismo, os direitos fundamentais e as novas tecnologias da informação?

10/02/2024

O rápido avanço tecnológico supera a capacidade do Direito (e das leis) de lidar com novos e complexos desafios. Não há nada de novo nessa afirmação, mas ela é um bom ponto de partida para que possamos compreender os impactos jurídicos (e sociais) de ferramentas tecnológicas contemporâneas como as redes sociais digitais e inteligência artificial.

Ao discutirmos esses avanços no âmbito constitucional, abrimos um espaço para que seja avaliada a necessidade de “atualizações constitucionais” – nas leis infraconstitucionais, na interpretação do direito e no próprio texto constitucional – capazes de efetivamente refletir as realidades contemporâneas e garantir a relevância e eficácia dos direitos humanos. Não é sem motivo que hoje muito se fala em constitucionalismo digital, regulamentação das Big Techs e até mesmo limites éticos no desenvolvimento da inteligência artificial (temas que serão melhor abordados nos próximos textos).

É sempre importante destacar: novas tecnologias mudam o rumo da sociedade, da mesma forma que mudam os hábitos, costumes e, consequentemente as leis e a própria Constituição. Com o advento da imprensa, rádio, televisão e, posteriormente, a internet, houve uma alteração drástica quanto à experiência humana e até mesmo a recriação de uma sensação de proximidade. Nos dizeres de Marshall McLuhan (ao final da década de 1960), a televisão desempenhou um papel crucial para essa alteração. Ele acreditava que a transmissão de informações e entretenimento através desse meio de comunicação estava rompendo as barreiras geográficas e culturais, permitindo que pessoas de diferentes partes do mundo experimentassem os mesmos eventos de forma simultânea.

O autor canadense não estava errado, mas foi a internet a ferramenta que verdadeiramente ampliou esses efeitos, tornando-se um catalisador fundamental para a transformação da sociedade como hoje conhecemos. O advento da internet redefiniu (e continua a redefinir) a maneira como as pessoas interagem, “consomem informações” e participam ativamente da cultura global.

A rede mundial de computadores, ao permitir que os usuários participem ativamente da construção global da cultura, também pode vir a permitir alguns atos nocivos e até violadores de direitos.

Por exemplo, o termo "fake news" começou a se popularizar no final da década de 2010, muito embora a expressão tenha sido utilizada de forma mais ampla (e até mais frequente) a partir do ano de 2016 (um ano que englobou eventos significativos como as eleições presidenciais nos Estados Unidos e o referendo sobre o Brexit no Reino Unido).  Nos últimos anos, tornou-se possível falar em rede de desinformação tendo em vista a facilidade de compartilhamento e disseminação de conteúdo nas redes sociais e plataformas digitais. Tudo isso criou um ambiente propício para a propagação de informações enganosas, muitas vezes visando manipular opiniões, distorcer fatos ou promover agendas específicas.

Não obstante, conforme temos visto a todo momento, esse tipo de informação (ou desinformação) contribui para uma já existente polarização, capaz de erodir a confiança cidadã nas instituições democráticas, bem como destruir a frágil coesão social, dificultando a construção de um consenso (ou bom senso) necessário em uma sociedade democrática saudável.

Essa disseminação constante de informações distorcidas tem o condão de minar a capacidade dos cidadãos de tomarem decisões coerentes e informadas. Tal fenômeno compromete diretamente uma série de direitos fundamentais, como o direito à informação, um direito necessário (em verdade, fundamental) para a participação cidadã no processo democrático.

A desinformação é, portanto, um grande desafio que reacende discussões quanto à promoção e desenvolvimento de direitos constitucionalmente previstos nos ambientes virtuais. A discussão até aí já é complexa o suficiente, mas ainda nem mencionamos de forma aprofundada as ferramentas ligadas ao que comumente é chamado de inteligências artificiais, que surgiram como uma incrível ferramenta, mas com um poder destrutivo impressionante em relação a direitos e possivelmente da própria democracia.

Dessa forma, é esperado que nos deparemos cada vez mais com o tema “Constitucionalismo Digital”, mas é necessário que tal expressão não seja tratada de forma simplista, haja vista as várias camadas e divergências que a acompanham.

Ainda assim, uma coisa é certa: não é mais possível pensar em Constituição ou no próprio Direito sem que pensemos nas consequências do uso e desenvolvimento dessas novas tecnologias.

 

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