Problematização no Crime de Branqueamento de Capitais

08/09/2016

Por Liliana Santo de Azevedo Rodrigues – 08/09/2016

O branqueamento de capitais está longe de comportar uma definição unânime a nível internacional. Alguns autores salientam a ideia que o branqueamento de capitais se traduz num processo onde se procura dissimular a origem ilícita dos bens; outros, porém, acentuam a importância da integração desses capitais em atividades econômicas lícitas. Ora, desde já se pode adiantar a problemática que surge em torno da questão do bem jurídico neste tipo de crime, uma vez que a sua definição não é sempre acentuada na mesma problemática.

Na origem do branqueamento está a expressão inglesa money-laundering que terá sido utilizada, por agentes da autoridade norte-americana, no início dos anos 30. O que se verificava então era a existência de vários gangsters que utilizavam as próprias lavandarias de roupa para legitimar os lucros provenientes de atividades criminosas, uma vez que estas operavam com base em numerário.

O branqueamento é em muitos ordenamentos jurídicos definido como “lavagem” ou “reciclagem”. Qualquer um destes termos tem um poder muito sugestivo que se contrapõe ao que é sujo, escuro. Assim, qualquer uma das expressões “branqueamento”, “lavagem” ou “reciclagem” invocam uma transformação ou falsificação da realidade, pelo que a sua função será tornar lícitos objectos que na realidade têm uma origem ilícita.

Não obstante, é fácil compreender que o fenómeno de branqueamento não se traduz num momento único, mas antes se constitui por um processo que comporta várias fases, constituindo uma multiplicidade de operações com o principal objetivo de legitimar a riqueza gerada em função da prática do crime subjacente e posteriormente reinvestido na atividade criminosa que o gerou. Isto vai originar novas fortunas que serão novamente branqueadas, gerando um círculo vicioso equiparado ao “ciclo da água”.

Assim, podemos distinguir fundamentalmente 3 fases no processo de branqueamento de capitais. Numa fase inicial, a colocação que consiste na introdução do capital na atividade econômica regular, ou na sua transferência para fora do país que a gerou. Posteriormente dá-se a fase da circulação, onde se pretende uma dissociação dos fundos da respetiva origem, recorrendo a estruturas mais ou menos complexas de transações financeiras que permitam ocultar ou apagar o rasto da proveniência dos bens ou fundos. Por fim, é necessária uma última fase para reintroduzir os fundos e capitais nos circuitos econômicos e financeiros normais. Note-se que chegado a este momento, já se verificou o “branqueamento” dos capitais envolvidos, tratando-se “apenas!” de disponibilizar de novo no mercado os montantes que aparentam uma plena legalidade.[1]

Para uma melhor classificação do branqueamento, importa desde logo clarificar o conceito de bem jurídico, no qual, pelas palavras de Jorge de Figueiredo Dias é definido “como a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso.”[2]

A função do direito penal consiste na tutela subsidiária de bens jurídicos dotados de dignidade penal: bens jurídico-penais.[3] O “direito penal do bem jurídico”, deve ser necessário, adequado e proporcional à proteção de determinado direito ou interesse constitucionalmente protegido.[4] Daqui decorre que o bem jurídico tem de ter uma relevância suficiente que justifique a ameaça da privação da liberdade em geral. Por mais importante que se revele o bem jurídico protegido, é necessário que a gravidade da conduta seja suficientemente gravosa que justifique a intervenção do direito penal. Por isso importa a existência de um critério rigoroso de selecção de onde se possam excluir os bens jurídicos, que ainda considerados como juridicamente tutelados, não são de todo penalmente relevantes.[5]


Notas e Referências:

[1] DUARTE, Jorge Manuel Vaz Monteiro Dias, Branqueamento de Capitais, O Regime do DL 15/93, de 22 de Janeiro, e a Normativa Internacional, Publicações Universidade Católica, 2002, pp. 33 ss. PINHEIRO, Luís Goes, O Branqueamento de Capitais e a Globalização (Facilidades na Reciclagem, Obstáculos à Repressão e algumas propostas de política criminal), in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 1, Janeiro-Março, Coimbra Editora, 2002, pp. 617 ss, faz uma distinção entre branqueamento elementar, elaborado e sofisticado. O branqueamento elementar comporta valores de pequeno montante, normalmente apenas considerados para despesas de consumo corrente. O branqueamento elaborado já implica a reintrodução dos capitais em atividades legais, referindo-se já a montantes mais elevados. O branqueamento sofisticado tem envolvidos montantes bastante elevados, num período de tempo muito limitado. Nestes casos, para a justificação destes valores é quase sempre necessário o recurso aos mercados financeiros.

[2] DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2012, p. 112. Sobre a concepção do bem jurídico, cfr. ANDRADE, Manuel da Costa, A Nova Lei dos Crimes Contra a Economia (Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro) à Luz do Conceito de “Bem Jurídico”, in Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Volume I, Problemas Gerais, Instituto de Direito Penal Económico e Europeu, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1998, pp. 389 ss. O autor faz a distinção entre o bem jurídico no plano da política criminal e ainda no plano dogmático. No primeiro caso, é a tutela dos bens jurídicos que vale para a função do direito penal e marca os limites da legitimidade da sua intervenção. No segundo, o critério do bem jurídico continuará a ser fundamento de uma interpretação teleológica. Ver ainda, do mesmo autor, pp. 389 ss.

[3] DIAS, Jorge de Figueiredo, O “Direito Penal do Bem Jurídico” como Princípio Jurídico-Constitucional, Da Doutrina Penal, Da Jurisprudência Constitucional Portuguesa e das Suas Relações, in XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 31 ss., MEDEIROS, Juliana Vieira Saraiva, O Bem Jurídico no Delito de Lavagem de Dinheiro, in: XIV Congresso Nacional do Conpedi, 2006, Fortaleza. anais do XIV Congresso Nacional do Conpedi. Florianopolis: Fundação Boiteux, 2005. pp. 487 ss e ROXIN, Claus, O Conceito de Bem Jurídico como ´padrão crítico da norma penal posto à prova, (revista por Jorge de Figueiredo Dias), Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 23, Coimbra Editora, 2013, pp. 1-37.

[4] Sobre o enquadramento do princípio jurídico-constitucional do “direito penal do bem jurídico” cfr. ANTUNES, Maria João, A Problemática Penal e o Tribunal Constitucional, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho”, vol. I, Coimbra Editora, 2012, pp. 97 ss. e Direito Penal Fiscal – Algumas Questões da Jurisprudência Constitucional, in Direito Penal, Fundamentos Dogmáticos e Político Criminais, Homenagem ao Prof. Peter Hünerfeld, Coimbra Editora, 2013, pp. 787 ss.

[5] SANTOS, CLÁUDIA CRUZ, O Crime de Colarinho Branco, a (des)igualdade e o problema dos modelos de controlo, Temas de Direito Penal Económico, Editora Revista dos Tribunais, 2000.


Liliana Santo de Azevedo RodriguesLiliana Santo de Azevedo Rodrigues é Advogada na QBB Advocacia, inscrita na Ordem dos Advogados de Portugal e na Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio Grande do Norte (OAB – RN). Possui graduação e mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade Portucalense (UPT) e Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Atualmente, cursa o Doutoramento em Ciências Jurídico-Criminais na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC). Investigadora da Instituto Jurídico Portucalense. Professora na Escola de Gestão e Negócios da Universidade Potiguar (UnP), na graduação em Direito na Faculdade Maurício de Nassau, na Faculdade Estácio de Natal e na Faculdade Natalense de Ensino e Cultura (FANEC)/Universidade Paulista (UNIP). Professora convidada de Pós-Graduação do Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UniRN).


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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