Os negócios jurídicos processuais como solução para os tempos de crise

10/05/2020

COVID-19: a suspensão dos prazos processuais e a ansiedade por uma agilidade jurisdicional.

A pandemia do novo Coronavírus (COVID-19) trouxe – o que não significa dizer esgotamento – consequências inimagináveis a praticamente todos os setores da sociedade. São milhares de pessoas infectadas ao redor do mundo e milhares de mortes decorrentes desse famigerado vírus.

Essa situação peculiar fez com que o Estado adotasse medidas excepcionais para evitar, ou mesmo diminuir, a transmissão em massa da patologia, numa busca implacável pelo bem comum.

É o caso, por exemplo, da Resolução n.º 313, de 19 de março de 2020, do Conselho Nacional de Justiça, onde o referido órgão, preocupado com o funcionamento do Poder Judiciário Nacional, estabeleceu o regime de Plantão Extraordinário.

Em síntese, a referida Resolução deliberou pela suspensão do trabalho presencial de todo o quadro humano que integra o Judiciário – a exceção do Supremo Tribunal Federal e da Justiça Eleitoral (art. 1º, parágrafo único) –, aí enquadrados os magistrados, servidores, estagiários e colaboradores, com a explícita intenção de evitar a propagação do COVID-19.

De fato, essa determinação não atingiu os serviços essenciais de cada tribunal, afinal, o país não teria como funcionar sem um Poder Judiciário ativo, que não pudesse resolver situações emergenciais e urgentes.

Para tanto, o art. 2º, §1º, da citada Resolução, procurou definir as atividades essenciais mínimas dos tribunais, enquanto que o art. 4º garantiu, com prioridade, a apreciação de determinadas matérias.

Aliado a isso, o CNJ determinou a suspensão dos prazos processuais até 30 de abril de 2020, incentivando o uso da tecnologia para permitir, ao máximo, a aplicação da atividade remota.

As diretrizes do Conselho logo incentivaram os tribunais jurisdicionais a editarem seus próprios atos normativos, ou mesmo a retificarem os já produzidos, adequando-os às peculiaridades de cada localidade e de cada órgão.

Ocorre que, ao tempo em que o Poder Judiciário procurava uma solução para a crise, um clima de insegurança se instalou entre os jurisdicionados, sobretudo no que se refere ao andamento dos processos judiciais, tendo em vista a suspensão dos prazos.

E daí adveio uma grande questão: o que as partes poderiam fazer para, em tempos de crise – como esta da pandemia –, reduzir os danos de uma evidente e duradoura inatividade processual?

Uma proposta que parece ser positiva é a utilização do negócio jurídico processual, conceituado como o “fato jurídico voluntário em cujo suporte fático esteja conferido ao respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentre dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais.”[1]

Com esse instituto as partes podem, em certa medida, flexibilizar o procedimento, de modo a torná-lo mais alinhado ao princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil[2].

Aliás, o Código de Processo Civil de 2015, tipicamente, abre um leque de possibilidades, como por exemplo: a negociação sobre a escolha do foro competente (art. 63); a calendarização processual (art. 191); a renúncia ao prazo (art. 225); o adiamento negociado da audiência (art. 362, I); o saneamento consensual (art. 357, §2º); a convenção sobre ônus da prova (art. 373, §§3º e 4º; a desistência da execução ou de medida executiva (art. 775); a desistência do recurso (art. 998); a renúncia ao recurso (art. 999); a aceitação da decisão (art. 1000); entre outros.

E vai além, pois o art. 190 do CPC/15, considerado a cláusula geral de negociação processual, autoriza a realização dos chamados negócios jurídicos processuais atípicos.

Diz o art. 190 que: “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

O conteúdo jurídico do supracitado dispositivo é bastante amplo. Não é à toa que o grande objeto de estudo das mais atuais pesquisas sobre o instituto é justamente o limite desta negociação.

Tome-se, como exemplo, a pesquisa desenvolvida pelo juiz de direito e alagoano André Luis Parizio Maria Paiva que, orientado pelo também processualista alagoano Pedro Henrique Nogueira, pretende, em sede de mestrado acadêmico da Universidade Federal de Alagoas, sistematizar os limites do objeto das convenções processuais atípicas à luz da Constituição.

No caso em análise, vale dizer, em tempos de crise, o foco deve ser direcionado à mitigação dos prejuízos, seja durante a suspensão dos prazos, seja estrategicamente para depois dela.

Há, inclusive, a possibilidade dos envolvidos negociarem, antes mesmo de existir o processo. Nessa hipótese, eles pré-estabelecem regras processuais a serem observadas em caso de judicialização.

É preciso lembrar, também, que o próprio juiz, com base no art. 139, VI, do CPC/15, pode flexibilizar o procedimento para adequá-lo às necessidades do conflito, observadas as garantias fundamentais do processo. Ou mesmo, como já dito, fixar, conjuntamente com as partes, um calendário processual.

Mas é possível, também, visualizar alguns outros negócios jurídicos processuais atípicos: um acordo sobre a realização de uma sustentação oral; o julgamento antecipado do mérito convencional; um acordo sobre a não realização de perícia; uma exclusão convencional  de um determinado meio de prova, como a prova testemunhal.

Enfim, a imaginação é limite. Mas, não é o único. Os negócios processuais, antes de tudo, devem respeito à Constituição Federal. É aí que entra o papel do julgador, ou seja, avaliar se, com base na Constituição e na lei, as convenções são válidas.

No entanto, há que se exaltar a importância desse tipo de instituto, especialmente quando fomos acostumados com um processo em que o juiz sempre foi o protagonista.

Agora, os protagonistas são todos os envolvidos, principalmente as partes, afinal, são elas as mais interessadas na resolução do conflito.

 

Notas e Referências

[1]NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 121.

[2]Muito bem desenvolvido por Fredie Didier Jr. em artigo escrito na obra Negócios Processuais – 3. Ed. – Salvador: Ed. JusPodvim, 2017, p. 31-37.

 

Imagem Ilustrativa do Post: martelo // Foto de: Daniel_B_photos // Sem alterações

Disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/juiz-martelo-julgamento-1587300/

Licença de uso: https://pixabay.com/en/service/terms/#usage

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura