O problema é Teológico – Por Thiago Brega de Assis

11/06/2017

O problema do mundo é Teológico

Todo e qualquer problema tem, em última análise, fundo Teológico, ligado a uma boa ou má Teologia. Teologia, como dizia Aristóteles, o pai da ciência ocidental, no livro Metafísica, é o estudo das causas primeiras, dos primeiros princípios; Teologia é o mesmo que a Filosofia Primeira, cujo objeto é a unidade do Ser, a unidade do conhecimento. Para Aristóteles e para as pessoas do mundo antigo, não havia separação entre filosofia e ciência, e mesmo a Teologia estava ligada à mesma unidade do conhecimento.

Atualmente, contudo, a regra é separar os conhecimentos entre científicos e teológicos, o que é um equívoco evidente, mas evidente para poucos.

Ao se considerar tudo que existe, temos basicamente duas possibilidades, que tudo tem um princípio Espiritual ou material. Para a boa Teologia, que se liga à autêntica Religião, o princípio de todas as coisas é Deus, é o Espírito Absoluto, a Causa Primeira, a Causa não causada. Para os que se dizem ateus, mas cujo deus é a matéria, a matéria é tudo o que existe, e nossos pensamentos e nossas emoções são apenas efeitos de reações químicas surgidas em nossos cérebros, formados por mero acaso a partir da aleatoriedade dos fenômenos físicos, após o Big Bang.

A má teologia tem um primeiro problema que é o de definir a causa do Big Bang, o que não faz e não explica. Essa má teologia é tão ruim que não enfrenta o problema racionalmente e, nesse ponto, simplesmente deixa a razão, abraçando a incoerência.

É importante salientar que a ideia de Big Bang é totalmente compatível com a criação cósmica por Deus, sendo o próprio Criador a origem do Big Bang. E mesmo o Big Bang decorre da ideia de um religoso, Georges Lemaître, que era físico e padre belga, e dizia que tudo que hoje existe estava inicialmente em um “átomo primitivo”. Nesse ponto, a cosmologia é a ciência atual mais próxima da Teologia, ainda que todas as ciências tenham fundo religioso.

Entender que o primeiro problema do mundo é Teológico encontra respaldo até mesmo nas palavras de Jesus Cristo, dizendo qual o maior mandamento.

Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

O primeiro mandamento é amar a Deus e conhecer Deus, dedicar todo o entendimento à Teologia, à lógica de Deus, ao Logos, porque esse conhecimento tem reflexos em todas as atividades da pessoa.

A Torá é repleta de advertências sobre a necessidade de cumprir todos os mandamentos de Deus para receber Suas bênçãos. A adoção da boa Teologia é fundamental para que a sociedade tenha uma Vida plena.

Por uma questão de lógica, como se pode notar em Aristóteles, a Teologia se refere ao estudo da Causa primeira, do Primeiro Princípio, o que exige uma Teologia monoteísta, com unidade de razão, podendo-se entender como filosoficamente inconsistente a ideia politeísta, pois o conflito entre os deuses não pode ser resolvido sem um Deus Altíssimo que estabeleça a unidade lógica das coisas.

Dentro do Monoteísmo, do mesmo modo, existem diversos problemas Teológicos, tanto para os judeus, como para os cristãos e os muçulmanos.

Os judeus reconhecem os livros do Antigo Testamento como palavra de Deus, mas não entenderam o Livro sagrado, notadamente porque ainda rejeitam Jesus Cristo como seu Messias, apesar de todas as provas no sentido de comprovar que efetivamente Jesus Cristo é o Messias judeu, como narrado no capítulo 53 do profeta Isaías, nas cartas do apóstolo Paulo, especialmente na epístola aos Romanos, no livro de Hebreus e também por Justino de Roma, em seu Diálogo com Trifão. Além disso, os judeus se acham melhores que os demais membros da humanidade, e não percebem que esse entendimento é tão equivocado que foi adotado por Hitler contra os mesmos judeus.

Os cristãos, do mesmo modo, em sua ortodoxia imposta por Constantino, não compreenderam plenamente o significado da atividade messiânica de Jesus Cristo, inicialmente por romper com o Monoteísmo, ao criar a ideia de trindade, por influência de um platonismo pitagórico, e por seguir a ideia de santo Agostinho, já criado em ambiente trinitário, de que o Reino de Deus não é deste mundo e de que não haverá uma era messiânica com governo humano que observará os mandamentos de Deus.

Nesse ponto, os católicos entendem que não é possível defender o milenarismo, ou seja, que haverá um período de mil anos de paz pelo governo mundial de Cristo, por meio do Espírito Santo, enquanto os protestantes sustentam que na volta de Cristo haverá o arrebatamento, com deslocamento físico dos crentes para o Reino dos Céus, para um mundo espiritual. E a mensagem de Cristo, o Evangelho, é exatamente: O Reino de Deus está próximo, ou seja, Deus irá Reinar e Julgar a humanidade através de um governo humano.

Finalmente, a Teologia muçulmana não compreendeu o teor do Alcorão, que descreve que Maomé é apenas um mensageiro árabe, que não alterou a mensagem do Livro dado aos judeus e aos cristãos. Além disso, o próprio Alcorão permite entender a superioridade profética de Jesus Cristo sobre Maomé. Nesse ponto, deve ser destacado que o Corão, ou o Alcorão, veio apenas reforçar a mensagem anterior dos profetas, e não contrariá-las, pelo que com estas é necessariamente compatível, por sua própria lógica interna, em que pese sua deturpação político-ideológica.

“Acreditareis, acaso, numa parte do Livro e renegareis a outra? Se o fizerdes, vosso castigo será a vergonha neste mundo e o suplício no dia da Ressurreição. Deus está atento ao que fazeis” (Sura 2: 85).

“Dize: 'Quem for inimigo de Gabriel – foi ele quem revelou a teu coração, com a permissão de Deus, o Livro que corrobora as Escrituras anteriores: um guia e boas-novas para os crentes-,

Quem for inimigo de Deus e de Seus anjos e de Seus Mensageiros e de Gabriel e de Miguel, terá Deus por inimigo: Deus é o inimigo dos descrentes'”. (Sura 2:97-98).

O Deus do Islã é o “Clemente, o Misericordioso”. Se Alá é o Deus único, e o Alcorão confirmou a Torá e o Evangelho, a Verdade de todos os livros, ou o Livro da Vida, que é o um só, é a mesma, conforme Sura 2 (A Vaca), versículo 62:

Os que creem e os que abraçam o judaísmo e os cristãos e os sabeus, todos os que creem em Deus e no último dia e praticam o bem obterão sua recompensa de Deus e nada terão a recear e não se entristecerão”.

“Entre nossos Mensageiros, temos preferido uns aos outros. A alguns Deus falou. Outros tiveram categoria mais elevada. A Jesus, filho de Maria, entregamos as provas e fortificamo-lo com o Espírito Santo. E se Deus quisesse, os homens que vieram depois dele não se teriam entrematado, já que haviam recebido as provas. Mas começaram a brigar: uns creram, outros descreram. Se Deus quisesse, não se teriam entrematado. Deus faz o que quer” (Sura 2: 253).

O próprio Alcorão reconhece a supremacia de alguns profetas, e em seguida menciona que Jesus foi fortificado com o Espírito Santo e que ele tinha as provas, pelo que poderia ser dispensada nova revelação, mas novamente a humanidade se perdeu no materialismo. Assim, a mensagem de Cristo, em que pese ser anterior à de Maomé na cronologia da história humana, em termos espirituais e no tempo original (pois ainda não se completou), kairológico, é posterior e superior, assim como a figura e a importância do próprio Cristo, que é imortal, como “um sopro de Seu espírito que Ele fez descer sobre Maria” (Sura 4: 171), na medida em que os descrentes “Certamente, não o mataram, Antes Deus o elevou até Ele. Deus é poderoso é sábio” (Sura 4: 157-158). Cristo ainda vive, além da ilusão da “realidade” percebida pelos sentidos. Saliente-se, ainda, que o Alcorão possui linguagem altamente poética, o que dificulta sua interpretação, levando os muçulmanos, equivocadamente, à ideia de que Jesus Cristo, profeta preferido e de categoria mais elevada, não morreu na cruz, quando tal fato aconteceu, apenas ele não continuou morto, ressuscitando.

E falando em interpretação, a filosofia atual se concentra em estudos hermenêuticos, sendo Gadamer considerado um dos grandes filósofos do século XX. Como já escrevi no artigo “Crime de hermenêutica, Donald Trump e Cristo crucificado” (http://emporiododireito.com.br/crime-de-hermeneutica-donald-trump-e-cristo-crucificado/), citando Gadamer:

A história da hermenêutica nos ensina que junto com a hermenêutica filológica existiram também uma hermenêutica teológica e uma hermenêutica jurídica, e que somente as três juntas perfazem o conceito pleno de hermenêutica. Uma das consequências do desenvolvimento da consciência histórica nos séculos XVIII e XIX foi a desvinculação da hermenêutica filológica e da historiografia de seu vínculo com as outras disciplinas hermenêuticas, estabelecendo-se autonomamente como teoria metodológica da investigação das ciências do espírito” (Hans-Georg Gadamer. Verdade e Método. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 407).

Diante dessa afirmação, que é uma conclusão do estudo histórico, mas também uma premissa para o argumento seguinte (um dado construído), Gadamer, dizendo que a interpretação é um fenômeno unitário, cognitivo, normativo e reprodutivo, declara a seguinte tarefa da filosofia: de “voltar a determinar a hermenêutica das ciências do espírito a partir da hermenêutica jurídica e da hermenêutica teológica(Idem, p. 410).

Por uma questão de hierarquia óbvia de valores, é necessário considerar que a hermenêutica prioritária é a Teológica, que logicamente condiciona as interpretações jurídica e filológica. Todavia, a filosofia de Gadamer não se desincumbiu de alcançar a missão por ele proposta, desenvolver a hermenêutica Teológica que determina a hermenêutica das ciências do espírito, deixando de cumprir o primeiro mandamento.

Aliás, a autêntica hermenêutica Teológica não tem esse problema de separação entre ciências do espírito e da natureza, pois a Teologia é única, e vale para ambas, a ciência é una, como o conhecimento, e a orgânica quântica aponta nesse sentido.

E recentemente me deparei com o mesmo problema Teológico, ou falta de Teologia, lendo o artigo “O paraíso dos conceitos jurídicos do jurista alemão Rudolf von Jhering (parte 6)” (http://www.conjur.com.br/2017-jun-05/direito-civil-atual-paraiso-conceitos-juridicos-rudolf-von-jhering-parte), do sítio Conjur, em sua parte final, citando Ernest H. Kantorowicz, e sua obra Os Dois Corpos do Rei: Um Estudo Sobre Teologia Política Medieval. Isso porque a tal Teologia medieval, da citada obra, seguiu o erro Teológico do Concílio de Niceia e de Santo Agostinho, separando Corpo e Espírito, e para piorar criou outro corpo.

A Teologia cristã autêntica entende haver um só Corpo e um só Espírito, e essa Teologia não era praticada no período medieval, em que pese o livro de Kantorowicz (que ainda não li e que agora ficou ainda mais atrás na minha fila de leitura, pois o Rei só tem um Corpo e um Espírito, e porque dou prioridade aos autores mais próximos da verdade), sendo um fato que o rei medieval, como regra praticamente absoluta, não era cristão, porque não seguia o exemplo de Jesus Cristo sendo o servo de todos.

Há um só Corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos. Mas a cada um de nós foi dada a graça pela medida do dom de Cristo, por isso é que se diz: Tendo subido às alturas, levou cativo o cativeiro, concedeu dons aos homens” (Ef 4, 4-8).

Como a má teologia prevalece, temos hoje o mundo da mentira, da “pós-verdade”, pois o Espírito ainda não se manifestou. O descumprimento do primeiro mandamento permite que os mentirosos ajam livremente, praticando injustiças.

“Ora, a vinda do ímpio será assinalada pela atividade de Satanás, com toda a sorte de portentos, milagres e prodígios mentirosos, e por todas as seduções da injustiça, para aqueles que se perdem, porque não acolheram o amor de verdade, a fim de serem salvos. É por isso que Deus lhes manda o poder da sedução, para acreditarem na mentira e serem condenados, todos os que não creram na verdade, mas antes consentiram na injustiça” (2Ts 2, 9-12).

O ímpio está aí, vivendo da mentira, por amor ao poder político, e faz a festa nas redes sociais. Esta questão é mais do que atual, pois a mentira parecer ser a regra nos meios político e social, em que o amor ao dinheiro e ao poder levam à negação da Verdade e à enganação do povo, e não só no Brasil, como vemos com os “grandes” líderes, de todos os partidos, e suas versões estapafúrdias dos fatos nos processos da lava-jato.

Portanto, o problema do mundo é Teológico, de má teologia, daquela em que o primeiro princípio é o dinheiro, a matéria, o poder, que predomina nas relações humanas e na ciência, permitindo a ação livre da mentira, tanto é que criado o termo “pós-verdade”. Não é à toa que não usamos carros elétricos, não reaproveitamos o lixo, deixamos que sessenta mil brasileiros morram assassinados a cada ano, e que outros tantos morram no trânsito e em guerras por dinheiro e poder.

A má teologia é a adotada pelos falsos profetas, que defendem mentiras e praticam injustiças. A boa Teologia é a dos autênticos profetas, normalmente perseguidos pelos poderosos, pois sustentam a Verdade, que é indispensável para a realização da Justiça.

Existe Verdade, existe Justiça; e Deus é a Verdade e a Justiça.

Enquanto o verdadeiro Deus, o Deus da Verdade e da Justiça, e da Razão, o Logos, o Deus de nosso senhor Jesus Cristo, que pela Verdade, e para nossa salvação, morreu na cruz e depois ressuscitou, não for adorado em Espírito e Verdade, por todos, em todo o tempo, enquanto não cumprido o primeiro mandamento, não adianta reclamar dos políticos ou das dificuldades da vida, porque quem luta contra a Vida não tem legitimidade, não tem moral, para reclamar da morte ou das injustiças do mundo. 


Imagem Ilustrativa do Post: Salmo 119:105 "Lâmpada para os meus pés é tua palavra e luz, para o meu caminho" // Foto de: Lindolfo Rodrigues // Sem alterações.

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