O importante é competir ou o que vale é vencer sempre?

15/08/2016

Por Rizzatto Nunes e Claudia Freesz Calmon – 15/08/2016

Vivemos numa sociedade altamente competitiva. O que se diz é que o capitalismo moderno introduziu, cada vez mais, esse modelo no comportamento das pessoas, e estas, de forma aberta ou sub-reptícia, competem sem cessar umas com as outras.

De forma geral, isso é realmente um fato constatável nos diversos setores socais: no trabalho, na escola, nos esportes (naturalmente, diríamos aqui) etc..

Há pais que deixam seus filhos pequenos ganharem as competições que fazem entre si. Por exemplo, deixam que eles ganhem num jogo de baralho. Isso é bom? Está certo que, às  vezes, os pais ganham e também perdem, mas perder sempre parece ruim.

Muito bem, em tempos de Olimpíada, queremos fazer uma reflexão sobre o tema. Desde que o pedagogo e historiador francês Pierre de Frédy, mais conhecido como  Barão de Coubertin, idealizou e fundou os jogos olímpicos da era moderna, surgiu uma oportunidade para que se pensasse em competições, nas quais nem sempre o vencedor é o que obtém o melhor resultado.

Vejamos a abertura da Olimpíada Rio 2016: quem foi o encarregado da grande honra de acender a Pira Olímpica? Vanderlei Cordeiro de  Lima, o atleta brasileiro que não venceu a maratona da Olimpíada de Atenas de 2004, por ter sido agarrado por um lunático quando estava muito a frente dos demais competidores. Por causa disso, Vanderlei terminou em terceiro lugar. Naquela oportunidade, por seu esforço esportivo, recebeu  do COI-Comitê Olímpico Internacional a medalha Pierre de Coubertin, que somente é concedida para atletas que valorizam a competição olímpica mais do que a vitória, e que é considerada uma distinção elevadíssima atribuída pela entidade.

Será que,  se Vanderlei tivesse ganhado a maratona, teria sido escolhido para acender a Pira Olímpica?

Claro que somente os deuses gregos saberiam responder...  Mas esse fato permite que façamos uma reflexão sobre a ideia de que “o que importa é competir”. Essa frase foi dita em 1908 e incorporada como lema para os jogos olímpicos. Numa rápida gloogeada na web, é possível ver que ela é odiada por muitos e adorada por outros tantos. Os que a odeiam, parece-nos, levam seus termos ao pé da letra, esquecendo-se de seu sentido mais profundo.

Há escolas que fazem jogos com crianças, nos quais todos ganham ou nos quais não haja perdedores e, com isso, acabam, naturalmente, desestimulando a competição. No entanto, em tais escolas as crianças, ainda em fase de formação, aprendem sobre colaboração, solidariedade e senso de equipe, afinal com a diversidade existente no ambiente escolar, certamente a criança sem o porte atlético necessário para vencer ou com dificuldades físicas, jamais seria escalada para participar do time e seria inevitavelmente excluída. Portanto, dentro das escolas, talvez seja até mais importante desenvolver nos estudantes outros valores que não o da competição. O problema está, parece-nos, no que seja uma competição sadia ou uma competição que leve ao aprendizado. Será que vale a pena ganhar a qualquer preço?

Em competições esportivas, o adversário deve ser considerado um inimigo?

Ora, não é verdade que é nas derrotas que se aprende?

Uma criança que sempre vença, que não conheça o sabor da derrota, estará bem formada para enfrentar os desafios da vida adulta? Conseguirá administrar as frustrações que a vida lhe reserva? Será que existe mesmo alguém que vença sempre em qualquer situação?

Ademais, em matéria de esportes, quando um atleta mostra que é melhor que o outro, não significa que o outro seja ruim. Não é porque um corredor como Usain Bolt seja imbatível nos 100 metros rasos, que o segundo, terceiro ou quarto sejam maus corredores. Significa apenas que ele é o mais rápido. E quem compete contra ele, tem um longo aprendizado de esforço. Ele é mais rápido, vai à frente, mas, com isso, leva com ele os demais,  que também se superam e crescem. Nesse sentido, são todos vencedores e provam que vale sim a pena competir, ainda que já se saiba que seria difícil vencer.

E no basquete, será que dá para ganhar do Dream Time? Talvez, mas ser derrotado pelos americanos será mesmo uma derrota?

Há mais:  temos que aprender a dar valor à experiência da derrota e ao necessário elemento do trabalho solidário.   Nesta sociedade capitalista, tirando as exceções dos trabalhadores autônomos, qual empresa se sustentaria e seria bem sucedida sem a participação conjunta de seus vários empregados e colaboradores? Certo que se pode dizer que uns são melhores que outros, mas sem o trabalho em parceria tudo ruiria (Aliás, nos esportes coletivos isso fica evidente).

O Chef de um restaurante é um artista criador, mas sem um bom preparador, sem um bom garçom e um bom maitre, seu restaurante fracassaria.

Até para a preparação de um único atleta que vença uma batalha sozinho, é preciso que outros o auxiliem: técnicos e preparadores físicos, fisiologistas, nutricionistas, psicólogos  e até meros ajudantes do dia a dia.

Pensemos nas escolas: é comum existir competição entre os alunos, para ver quem tira a melhor nota ou quem é o melhor estudante ao final do ano ou do curso. Perguntamos: o melhor aluno de um curso, no qual competiu com seus colegas e venceu, será mesmo o melhor profissional? Será que nós só devemos nos consultar com o médico que tirou as melhores notas nos bancos escolares? E os demais? Aquele que chegou em segundo, terceiro e, quem sabe, o último: todos se formaram, obtiveram o diploma e tornaram-se aptos para o exercício da profissão. É assim que, por exemplo,  procuramos um médico para nos atender? Ou um advogado?

Logicamente, não estamos retirando o mérito dos que se saíram melhor nos bancos escolares, mas os demais também não serão bons profissionais? É apenas a vitória que determina ou foi a competição – mesmo sem a vitória – que forjou o profissional?

E, há o inverso: quem é que pode garantir que o melhor aluno será o melhor profissional? Na área jurídica, temos, infelizmente, exemplos de maus profissionais que passaram em difíceis concursos públicos, às vezes muito bem colocados. Isso mostra que para se tornar um bom profissional, a pessoa deve possuir, além da formação acadêmica adequada, um conjunto de competências e inteligências, que envolve os aspectos psicológicos e emocionais, e que são condições para que ela realmente alcance um patamar elevado no seu mister.

Vencer competições não é garantia segura de eficiência ou qualidade profissional posterior, e nem de sucesso na carreira ou na vida.


Rizzatto Nunes. . Rizzatto Nunes é Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Professor Livre-Docente pela PUC/SP. Escritor e advogado. . .


Claudia Freesz Calmon. . Claudia Freesz Calmon é pedagoga, formada pela PUC/SP e fez cursos de especialização no Instituto Loris Malaguzzi em Reggio Emilia, Itália e com Howard Gardner em Harvard.

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Imagem Ilustrativa do Post: ISTAF Berlin 2010 // Foto de: André Zehetbauer // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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