Endereço falso na petição inicial é crime de falsidade? Confira a posição de Rômulo de Andrade Moreira no HC do TJBA

15/12/2015

Por redação - 15/12/2015

Superando o argumento de que não se pode analisar as questões de fato no âmbito do Habeas Corpus, o Procurador de Justiça Rômulo de Andrade Moreira, ao emitir manifestação no Habeas Corpus nº. 0023648-72.2015.8.05.0000, em tramitação no Tribunal de Justiça da Bahia, opinou pelo trancamento do processo em face do paciente que teria indicado endereço não condizente com a realidade diante da atipicidade e ausência de requisitos para configuração da conduta tipificada. É uma aula.

Confira a íntegra do parecer abaixo:


PARECER Nº. 10353/2015

È stato giustamente detto che il grado de civiltà di un popolo si misura soprattuto dal modo con cui sono salvaguardati i diritti e le libertà dell’imputato nel processo penale.” [1]  

Tratam os presentes autos de um pedido de habeas corpus visando ao trancamento do processo no qual o paciente acima epigrafado é réu, sob a alegação de ausência de tipicidade e de justa causa. Negada a concessão da liminar requerida (fls. 82), o Magistrado prestou as informações de praxe (fls. 85), indicando o andamento do feito.

Eis um sucinto relatório.

Os autos foram encaminhados ao Ministério Público para o parecer.

Ab initio, como se sabe, há precedentes no sentido da inadmissibilidade do exame aprofundado da prova no habeas corpus. Entretanto, em caráter excepcional e em determinados casos, o próprio Supremo Tribunal vem admitindo o revolvimento do material probatório. Nesse sentido, ensina Alberto Silva Franco:

O exame do material probatório não deve ser submetido a uma aferição em profundidade. Pelo menos, via de regra. Há certas situações, no entanto, que autorizam sua análise mais aprofundada. Por exemplo, nos casos em que se recorre ao habeas corpus para o trancamento de ação penal. Não se trata aqui de um exame de mérito da imputação, mas apenas da verificação da legalidade ou não da ação penal." (Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial, volume 1, 2ª ed. rev., atualizada e ampliada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 1560) (Grifo nosso).

A propósito, vejamos estas decisões do Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: Honra (crimes). Imunidade judiciária (limites). Divulgação de peça processual de natureza civil (calúnia, injúria e difamação). Queixa (exame/possibilidade). Tipicidade (ausência). Habeas corpus (cabimento). Queixa (rejeição) – 1. A imunidade a que se refere o inciso I do art. 142 do Cód. Penal acoberta apenas as coisas que sucedem na economia doméstica do processo; fora daí e daí por diante, cobertura alguma haverá. 2. A despeito da indevida divulgação da contestação apresentada no juízo cível – processo em que se discutem obrigações contratuais –, o excesso de palavras nela constante não alcançou o campo penal; coisas próprias do cível – obrigações recíprocas de sócios, etc. Conduta penalmente atípica. 3. Não procedem censuras a que se faça, no habeas corpus, exame de provas. Fundado nas alegações de atipicidade e falta de justa causa, impõe-se sejam as provas verificadas. 4. Habeas corpus deferido.” (6ª T. – HC 39.277/RS – rel. Nilson Naves – j. 05.09.2006 – DJU 04.06.2007, p. 428). (Grifo nosso).

HABEAS CORPUS N.º 45.388-SP - Rel.: Min. Hélio Quaglia Barbosa/6.ª Turma - EMENTA - Habeas corpus (cabimento). Ausência de justa causa (caso). Atividade de telecomunicação clandestina (descaracterização). Inquérito policial (extinção). Quando fundado o habeas corpus, por exemplo, na alegação de falta de justa causa para a ação penal, admite-se se faça nele exame de provas. O que se veda em habeas corpus, semelhantemente ao que acontece no recurso especial, é a simples apreciação de provas, digamos, a operação mental de conta, peso e medida dos elementos de convicção. Habeas corpus deferido com o fim de trancar o inquérito policial.” (Grifo nosso).

Em sede de habeas corpus, é possível que se proceda ao exame da prova, nos limites da descrição do fato, com a sua conotação jurídica. Essa análise não implica em revolvimento, cotejo, ou exame aprofundado de prova, o que tornaria inviável o writ. II - Determina-se o trancamento de inquérito, quando restar demonstrado, de plano, a falta de elementos mínimos que caracterizem a existência de crime (g.n.). Writ concedido, determinando o trancamento do inquérito nº 01-052/96". (HC n. 7763-DF, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, jul. 16/03/1999, DJU 25/10/1999, pág. 449). (Grifo nosso).

6ª - HC 59071 - MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - RELATORA: MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DESCRIÇÃO DE ATIVIDADES LEGÍTIMAS DA ADVOCACIA NA DENÚNCIA. ATIPICIDADE. EXAME DA PROVA DOS AUTOS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. É possível o exame mais aprofundado das provas em sede de habeas corpus se necessário para constatar se existia ou não justa causa para o recebimento da denúncia.2. A descrição de atividades legítimas da advocacia, e portanto, atípicas, leva ao reconhecimento da inépcia material da denúncia. 3. Ordem concedida para trancar a ação penal com relação à paciente.” (Grifo nosso).

Nesse sentido, por unanimidade, os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concederam o Habeas Corpus 123221 para absolver um condenado pelo crime de tráfico de entorpecentes flagrado com 1,5 grama de maconha. Os Ministros decidiram, ainda, oficiar ao Conselho Nacional de Justiça para que realize uma avaliação de procedimentos para aplicação da Lei 11.434/2006 (Nova Lei de Drogas). O acusado foi condenado pela Justiça paulista à pena de 4 anos e 2 meses de reclusão por tráfico, em regime inicial fechado, e pagamento de 416 dias-multa. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e o Superior Tribunal de Justiça rejeitaram os recursos interpostos pela defesa. O advogado pediu absolvição de seu cliente ao sustentar que ele não é traficante, mas sim usuário de drogas. O Ministro Gilmar Mendes, Relator do habeas corpus, verificou que não há na sentença condenatória elementos seguros que comprovem que o acusado traficava drogas. “A pequena quantidade de drogas e a ausência de outras diligências apontam que a instauração da ação penal com a condenação são medidas descabidas”, afirmou. Para o Ministro, não existem elementos probatórios suficientes que justifiquem a condenação. O Relator concedeu a ordem de ofício para absolver o acusado em razão da ausência de provas. “Entendo evidenciado patente constrangimento ilegal que merece ser reparado”, disse. (Grifos nossos).

Destarte, trata-se de situação excepcional, na qual o revolvimento de matéria fática não pode ser óbice para a concessão da ordem.

Ademais, prontamente percebemos que o processo deve ser trancado por absoluta inexistência de justa causa e tipicidade da conduta, porquanto as peças processuais indicadas como instrumento do crime de falsidade ideológica, na incoativa acusatória (fls. 18/25), não se encaixam no conceito de documento para efeitos penais, haja vista que se submetem a outras verificações pelo Juízo, não ensejando uma presunção absoluta de veracidade.

Petição apresentada em juízo com endereço inverídico não caracteriza o documento previsto na falsidade ideológica, pois este é sempre sujeito a averiguação pelo oficial de justiça.[2] Observa-se que a declaração prestada e acostada aos autos estava sujeita a posterior verificação pelo Juízo, o que retira por completo a tipicidade penal da respectiva conduta.

Nesse sentido, vejamos alguns julgados:

A jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal, bem como desta eg. Corte, há muito já se firmou no sentido de que o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não ocorre no caso. (Precedentes do STF e do STJ). II - Na espécie, a conduta daquele que insere endereço equivocado em petição inicial, declaração de hipossuficiência e procuração, per se, não se amolda ao delito tipificado no art. 299 do CP, uma vez que a inserção de endereço diverso constitui fato juridicamente irrelevante, sujeito, portanto, a impugnação ou comprovação posterior por outros meios de prova. (Precedentes). Recurso ordinário provido para determinar o trancamento da ação penal em relação aos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso por atipicidade da conduta”. (STJ - RHC: 49437 SP 2014/0164044-3, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 24/02/2015, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/03/2015) (Grifo nosso).

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO FALSA DE HIPOSSUFICIÊNCIA. LEI N. 1.060/1950. PRESUNÇÃO RELATIVA. CONDUTA ATÍPICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL QUE SE IMPÕE. FLAGRANTE ILEGALIDADE VERIFICADA. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. - O trancamento de ação penal por meio de habeas corpus, é medida excepcional, somente sendo admitido, nos casos em que ficar evidenciado, de plano, sem a necessidade de análise fático-probatória, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas da materialidade e indícios da autoria ou a ocorrência de alguma causa extintiva da punibilidade. - O Superior Tribunal de Justiça - STJ tem se posicionado no sentido de que a mera declaração falsa de hipossuficiência com a finalidade de obtenção da justiça gratuita, nos termos da Lei n. 1.060/50, por ter presunção apenas relativa, podendo ser contraditada pela parte contrária ou aferida de ofício pelo Magistrado, não pode ser considerada documento para fins penais, não se inserindo, portanto, no tipo penal de falsidade ideológica. - Assim, demonstrada a atipicidade da conduta perpetrada pelo paciente, mostra-se justificada a medida excepcional de trancamento da ação penal. Recurso ordinário em habeas corpus provido para determinar o trancamento da ação penal n. 0031299-27.2013.8.13.0155, em trâmite na Vara Única da Comarca de Caxambú/MG”. (STJ - RHC: 53237 MG 2014/0287857-5, Relator: Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Data de Julgamento: 18/12/2014,  T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/02/2015) (Grifo nosso).

Documento para ter relevância jurídico-penal, deve apresentar-se com força probante, hábil, desde logo, a demonstrar a existência de um ato ou fato jurídico. Tal, porém, não ocorre, com uma simples declaração de domicílio, para obtenção de atestado de residência, sujeita à verificação da autoridade competente”. (TJSP – HC – Rel. Nigro da Conceição – RT 489/342) (Grifo nosso).

O falso ideológico exige que a declaração prestada pelo particular deve valer, por si mesma, para a formação do instrumento. Se o oficial ou funcionário (que recebe a declaração) está adstrito a averiguar, propriss sensibus, a fidelidade da declaração, o declarante, ainda que falte à verdade, não cometerá ilícito penal”. (TJSP – AC – Rel. Márcio Bonilha – RT 450/374) (Grifo nosso).

A aptidão iludente do documento é elemento subjacente à materialização dos crimes de falso, razão porque não se poderá reconhecer falsidade ideológica em documento sujeito à verificação. Assim não comete o delito em questão quem declara falsamente ter tido determinada pessoa como seu motorista profissional, se, quando das diligências para expedição da carteira de habilitação correspondente, tal declaração, no tocante à veracidade de seu conteúdo, deveria ser alvo de obrigatória verificação por parte das autoridades de trânsito”. (TJRS – AC 683052502 – Rel. Jorge Alberto de Moraes Lacerda – RJTJRS 129-85)

No que tange à falsidade, estando as declarações prestadas sujeitas à verificação do funcionário da Caixa Econômica Federal, mesmo que tenha agido de forma dolosa o agente, o delito de falsidade ideológica não restou caracterizado” (TRF 3ª R. – 5ª T. – AP 2007.03.99.040309-2 – rel. Ramza Tartuce – j. 06.04.2009 – DJU 16.04.2009).

Simples declaração de endereços inexistentes não configura, sequer em tese, o delito de falsidade ideológica, pois não é ‘documento’ no sentido jurídico penal”. (TJSP – HC – Rel. Dalmo Nogueira – RT 508/327) (Grifo nosso).

Não sendo a petição considerada documento para fins penais, a ocorrência da falsificação de assinatura do advogado somente poderia configurar a litigância de má-fé, na forma dos arts. 17 e 18, do Código de Processo Civil, e não prática delitiva. Ordem concedida” (TRF 2ª R. – 2ª T. – HC 2008.02.01.011349-1 – rel. Liliane Roriz – j. 02.09.2008 – DJU 05.09.2008).

A propósito, uma petição inicial, a despeito de conter falsa declaração, não pode ser considerada um documento para fins penais. Foi com base nesse entendimento que o Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (Dipo) decidiu trancar o inquérito aberto contra executivos do Fundo norte-americano Matlin Patterson, que controla a Volo Logistics. O delegado de Polícia do 1º Distrito Policial da capital de São Paulo instaurou o inquérito em que os doze executivos são acusados de falsidade ideológica, com base na representação apresentada pela Volo do Brasil. A Volo Logistics entrou com uma ação de execução contra a Varig Logística. O problema, de acordo com o inquérito, foi que a empresa credora omitiu que detém 60% da Volo do Brasil, proprietária da Varig Logística. A suposta confusão entre credor e devedor configuraria o crime de falsidade ideológica. Para a acusação, a empresa credora deveria obrigatoriamente ter informado nas petições iniciais que é detentora indireta de parte das ações da empresa credora. A defesa dos executivos entrou com pedido de Habeas Corpus para o arquivamento do inquérito. O argumento foi o de que os executivos sofriam constrangimento ilegal. Para eles, o devedor está se valendo de uma perseguição penal com o nítido intuito de constranger a empresa credora. No Habeas Corpus, a juíza Cláudia Ribeiro aceitou a tese de defesa. Para os advogados, o conteúdo de uma petição direcionada ao Judiciário não é considerado documento para fins penais e, por conta disso, não é possível se basear nesse documento para acusação de falsidade ideológica. Um voto de 1966 do Ministro Evandro Lins e Silva, no Supremo Tribunal Federal, serviu para dar força à tese da defesa. “Os termos demasiado genéricos do Código Penal, envolvendo, num mesmo plano de igualdade, a falsidade ideológica dos documentos públicos e dos documentos particulares, tem dado lugar a interpretações menos avisadas”, alertava o Ministro. E concluiu a análise dizendo que “o documento, para que seja objeto do Direito Penal, deve ser preparado para provar, por seu conteúdo, um fato juridicamente relevante”. Essa foi apenas uma das decisões relacionadas pelos advogados no Habeas Corpus. Diante disso, sustentaram a ausência de justa causa para o inquérito e que a sua instauração configura constrangimento ilegal. “Para se chegar a tal conclusão, não é necessária nenhuma análise de provas, bastando, para tanto, simples leitura da notitia criminis”. Na decisão, a juíza Cláudia Ribeiro explicou que as petições são requerimentos, e não documentos. Não se prestam à comprovação de fato, mas apenas constituem instrumento para dedução de pedidos em juízo, os quais podem ou não ser acolhidos, conclui a juíza. “A se acolher a tese do representante, o julgamento de improcedência de ações cíveis geraria a instauração de inúmeros inquéritos policiais por falsidade ideológica sempre que se reconhecesse que o autor nas penas por litigância de má-fé, conforme artigos 16 e seguintes do Código de Processo Civil.” Fonte: Revista Consultor Jurídico, 29 de novembro de 2007. (Grifos nossos).

Saliente-se o brilhante julgado do Ministro Lins e Silva, ao analisar o tipo do art. 299 do Código Penal, ora enfocado:

Os termos demasiado genéricos do art. 299 do CP, envolvendo num mesmo plano de igualdade, a falsidade ideológica dos documentos públicos e dos documentos particulares, tem dado lugar a interpretações menos avisadas. O documento penalmente protegido é aquele que ofende a fé pública, ou como diz Giovanni Brichhetti, em seu magnífico ‘L’Atto Invalido nel Diritto Penale Italiano’, o que exprime ‘o conteúdo conceitual do ato’. Para que alguém possa ser acusado como autor de falsidade documental, é indispensável que o documento seja, por si mesmo, um bem jurídico”. (STF - RHC – RTJ 39/596).

Além disso, não esqueçamos do princípio da intervenção mínima do Direito Penal, "que debe regir la política criminal de un Estado Social y Democrático de Derecho", e, segundo o qual, "la intervención del Derecho Penal en la vida social debe reducirse a lo mínimo posible, sendo forçoso concluir que el recurso al Derecho Penal deviene en ilegítimo desde el mismo momento en que se demuestre que es inútil o innecesario en orden a alcanzar el fin que se le asigna", como ensina José Miguel Zugaldía Espinar (Fundamentos de Derecho Penal - Parte General - Las Teorías de la Pena y de la Ley Penal, Universidad de Granada, 1991, ps. 163, 164 e 166).

Devemos atentar que o princípio da subsidiariedade em Direito Penal tem um sentido todo próprio, a saber: “antes de se recorrer ao Direito Penal devem-se esgotar todos os meios extrapenais de controle social[3], pois “o direito penal teria uma fisionomia subsidiária, e sua intervenção só se justifica, no dizer de F. Munhoz Conde, ´quando fracassam as demais maneiras protetoras do bem jurídico predispostas por outros ramos do direito`.”[4] (grifos nossos).

Com efeito, no presente caso, teríamos que considerar se o processo traduziria interesse público relevante, tendo-se em conta os fins penais de prevenção geral e especial, além, é claro, da questão da economia processual, evitando-se a perniciosa sujeição a um processo penal e, ao mesmo tempo, acumulando-se força e energia para casos criminais de efetivo relevo, dando-se, quanto a estes, a esperada resposta à sociedade. Não esqueçamos que a presteza jurisdicional é corolário do moderno Direito Penal, significando que as decisões judiciais devem guardar com o fato delituoso uma certa e tolerável proximidade, sob pena de se tornarem ineficazes as providências jurídicas advindas de uma sentença condenatória.

Assim, em obediência a tais pressupostos, a ação ministerial só deve ser exercida quando existirem “concretos indicios fácticos de un hecho punible”, a serem imputados a alguém, pois meras “suposiciones vagas no son suficientes para una inculpación jurídico-penal”, como ensinam os mestres alemães Claus Roxin, Gunther Arzt e Klaus Tiedemann.[5]

Por derradeiro, vejamos a lição de Afrânio Silva Jardim:

Desta maneira, torna-se necessária ao regular exercício da ação penal a sólida demonstração, prima facie, de que a acusação não é temerária ou leviana, por isso que lastreada em um mínimo de prova. Este suporte probatório mínimo se relaciona com os indícios da autoria, existência material do fato típico e alguma prova de sua antijuridicidade e culpabilidade. Somente diante de todo este conjunto probatório é que, a nosso ver, se coloca o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.” (Direito Processual Penal - Estudos e Pareceres, Forense, 1986, p. 96).

Ante o exposto, somos pela concessão da ordem de habeas corpus requerida para trancar o processo por absoluta inexistência de justa causa (art. 395, III, do Código de Processo Penal) e por atipicidade da conduta.

Salvador, 15 de dezembro de 2015.

RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA

Procurador de Justiça


[1] Gian Domenico Pisapia, Compendio di procedura penale. 4ª. edição, Padova: Cedam, 1985, p. 26.

[2] (Superior Tribunal de Justiça, RHC 20.414/RS, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), QUINTA TURMA, julgado em 11/12/2007, DJ 07/02/2008, p. 1).

[3] Maurício Antonio Ribeiro Lopes, Princípios Políticos do Direito Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª. Edição, 1999, p. 95.

[4] Luiz Luisi, Os Princípios Constitucionais Penais, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 27.

[5] Introducción al Derecho Penal y ao Derecho Penal Procesal, Barcelona: Ariel, 1989, p. 170.


Imagem Ilustrativa do Post: Hill houses // Foto de: Francisco Anzola // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/fran001/4396367952/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode

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