Dispensa por justa causa: a sentença penal condenatória transitada em julgado e o posicionamento do STF

11/12/2016

Por Carlos Vinicius Mariano Magno – 11/12/2016

Neste tema, envolve-se um relevante questionamento atual relacionado à conceituação de condenação penal transitada em julgado e sua interpretação teleológica à luz do artigo 482 do decreto-lei 5.452 de 1º de maio de 1943, em que trata a matéria de dispensa por justa causa no âmbito da justiça laboral.

Inicialmente, trazem-se os ensinamentos mencionados pelo professor Gustavo Filipe Barbosa Garcia na conceituação de justa causa como “[...] prática de ato que configure séria violação dos deveres do empregado, rompendo a confiança inerente à relação de empregado, tornando indesejável ou inviável a manutenção do referido vínculo”.

Contudo, relaciona-se a conceituação de justa causa -interpretada pelo mencionado autor- com o ato dispensatório do empregador; manifestação que resulta na cessação de contrato individual de trabalho; ato que se desencadeia por prática de ato faltoso, exarado de gravame, incômodo, importunação considerável, desestabilizando a harmonia da relação empregatícia.

A dispensa por justa causa no Brasil se ramifica em três entendimentos doutrinários, dividindo-se em:

I. Sistema taxativo

II. Sistema genérico

III. Sistema misto

Para a efetiva cognição de interpretação, faz-se uma sumária explanação dos mencionados sistemas ora apontados.

a) Sistema taxativo: entende-se ser aquele imposto através de lei, ou seja, somente uma regra de força coercitiva imposta pelo Poder Legislativo teria o condão de estabelecer as hipóteses de dispensa por justa causa.

b) Sistema genérico: entende-se ser aquele imposto através do Poder Judiciário. Neste sentido, existe uma lei que autoriza a dispensa por justa causa, contudo, encontramos esta disposição de forma não específica, genérica, imprecisa, indeterminada, abstrata e meramente exemplificativa.

c) Sistema misto: entende-se ser aquele imposto através da soma dos dois sistemas já mencionados, ou seja, evidencia-se a existência de uma regra de força coercitiva imposta pelo Poder Legislativo de forma específica, bem como autoriza que o Poder Judiciário manifeste-se reconhecendo outra hipótese de dispensa por justa causa não prevista no ordenamento jurídico.

No Brasil, adotou-se o sistema taxativo, ou seja, há à necessidade incontroversa de taxatividade, especificidade, estritividade e concretude das hipóteses de dispensa por justa causa, sempre levando em considerações os princípios basilares do Direito do Trabalho, sendo eles o da proporcionalidade e razoabilidade, no sentido que o sistema taxativo não impede que o magistrado interprete as normas jurídicas de acordo com os fatos ali expostos.

Além da interpretação cognitiva se submeter a analise de um sistema taxativo, para que a justa causa se verifique no seu plano de eficácia e validade, entende-se haver a necessidade de preenchimento de certos elementos e requisitos que conforme o prof. Gustavo Filipe Barbosa Garcia, podem ser classificados em subjetivos e objetivos.

A subjetividade entra de encontro com os elementos de dolo ou culpa do empregado; dolo quando há intenção de praticar o ato faltoso; culpa ao se referir ao ato de imprudência, negligencia ou imperícia.

Ainda no entendimento do professor já mencionado: “[...] fora da esfera de responsabilidade do empregado, este não pode ser penalizado com a dispensa por justa causa, considerada a punição de maior gravidade inerente ao poder disciplinar do empregador”.

Inicialmente, quanto à classificação das justas causas, podemos observar dois critérios existentes, o critério subjetivista e o critério objetivista. Na análise e classificação das justas causas, os autores subjetivistas afirmam que o ato faltoso só se concretiza em presença de dois elementos: o material e o volitivo; já os objetivistas não consideram essencial o elemento volitivo.

Conforme a doutrina de Saad:

“Situamo-nos entre os objetivistas. Se o empregado, em virtude de sua distração, causa um sério dano ao empregador ou provoca um acidente em que a vítima é seu companheiro de trabalho, ninguém vai desculpá-lo porque não teve intenção de destruir a máquina ou a de ferir seu colega. O que acode à mente de qualquer um é que ele poderá reincidir na falta, com conseqüências talvez mais graves”.

Complementando, a objetividade entra de encontro com os elementos da tipicidade, gravidade, nexo de causalidade, proporcionalidade, imediatidade, non bis in idem e por fim a pratica da falta grave.

Lembrando-se da essencialidade do cumprimento da imediatidade, em razão do entendimento doutrinário que a inércia do empregador em detrimento do ato faltoso resulta em aceitação do fato. No entanto, é importante destacar que o espaço de tempo só deve ser contado a partir do momento em que o empregador toma ciência da falta disciplinar praticada pelo empregado.

TRT-3 - RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA RO 1954406 00476-2006-061-03-00-8 (TRT-3). JUSTA CAUSA. CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO, SEM SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA. INÉRCIA DO EMPREGADOR. PERDÃO TÁCITO. Para autorizar a dispensa sem ônus para o empregador, com fundamento na alínea d do art. 482/CLT, o empregado deverá ter sofrido condenação criminal transitada em julgado, sem suspensão da execução da pena. Assim, a partir do momento em que a prisão perder o seu caráter provisório, sem a concessão de sursis, o empregador deverá tomar as medidas cabíveis para efetivar a dispensa motivada, quedando-se inerte, presume-se o perdão tácito.

Introdução necessária para o desenvolvimento de uma linha de raciocínio lógica e pertinente ao nexo da temática exposta; leia-se a sentença penal condenatória transitada em julgado e o posicionamento do STF.

O disposto no referido diploma legal em seu artigo 482, “d”, da CLT, verbis:

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

a) ato de improbidade;

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;(grifo nosso).

e) desídia no desempenho das respectivas funções;

f) embriaguez habitual ou em serviço;

g) violação de segredo da empresa;

h) ato de indisciplina ou de insubordinação;

i) abandono de emprego;

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

l) prática constante de jogos de azar.

Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional. (Incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966).

Também no entendimento doutrinário de Saad quanto à condenação criminal do empregado:

“Ela se torna uma justa causa para a rescisão do contrato de trabalho quando cria a impossibilidade material do cumprimento do que se ajustou. Todavia, ainda que ocorra a suspensão da pena, pode o empregador promover a dissolução do contrato de trabalho se o ato praticado pelo empregado é daqueles que afetam a confiança indispensável nos pactos laborais”.

Ainda neste sentido, transborda a jurisprudência ao discorrer sobre os motivos ensejadores de ruptura do contrato de trabalho:

Condenação criminal por furto. Justa causa. A condenação de empregado pela Justiça Criminal é motivo ensejador da ruptura do contrato de trabalho pelos motivos indicados nas alíneas “a” e “d” do art. 482 da CLT, ainda que o furto tenha ocorrido fora das dependências da reclamada. (TRT/15a R., Ac. 6.332/2000, j. 14-2- 2000, RO 27.750/98, 5a T., Rel. Eliana Felippe Toledo, DOE, 14-2-2000)

Nesta seara, a condenação criminal passada em julgado, quando não haja suspensão condicional da pena (sursis), constitui justa causa para a dispensa do empregado.

No entendimento de Amador Paes de Almeida há três requisitos, sendo eles a) condenação criminal; b) que haja transitado em julgado; e c) inexista suspensão condicional de pena.

Contudo, o que indica a jurisprudência, não seria a condenação criminal em si, mas sim a impossibilidade física do empregado de continuar prestando serviços. Cita-se ainda o prelecionamento de Russomano: “só servem como justas as condenações criminais que impedem a continuidade física da prestação do trabalho”.

Ou seja, devemos observar que determinados delitos podem tornar impossível a continuação do pacto laborativo, ainda que haja a suspensão da pena, como é o caso de furto de objetos de pequeno valor, sendo o réu primário, transmite este conhecimento ainda o autor Amador Paes de Almeida:

[...] “a hipótese, à luz do Direito do Trabalho, envolveria a figura da improbidade, afastando o elemento fidúcia, suporte fático do vínculo laboral. Da mesma forma, sua eventual absolvição no Juízo Criminal não afasta, por si só, a justa causa para a dispensa:

A absolvição do empregado por insuficiência de provas, no Juízo Criminal, não afasta a possibilidade de ser reconhecida falta grave em reclamação trabalhista” (TST, ROAR 11.929/94-7, Ac. SBDI-2 753/96, Rel. Min. Vantuil Abdala)””. (grifo nosso)

Neste sentido, é importante destacar recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em fevereiro deste ano (2016). O respectivo tribunal em julgado de Habeas Corpus de número 126.292, modificou o posicionamento consolidado, permitindo a prisão a partir do ato decisório proferido pelo juízo ad quem que confirma a sentença penal condenatória.

Observa-se que tal julgamento tem efeito rebote na seara trabalhista, tendo em vista que conforme os argumentos já aduzidos, a dispensa por justa causa se dá pela impossibilidade do labor pelo empregado em razão de sua reclusão constante e permanente que inviabiliza a operação de seu trabalho.

Vale lembrar que tal decisão demonstrou que o ajuizamento de Recurso Especial e/ou Recurso Extraordinário não tem mais o condão de impedir o encarceramento do acusado, permitindo o cumprimento de pena ainda em discussão.

Para o relator do caso, ministro Teori Zavascki, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena.

Este posicionamento indicou mudança no entendimento da respectiva Corte, desde 2009 no julgamento do HC 84.078, a execução penal era claramente condicionada ao transito em julgado, salvo casos de excepcionais de prisão preventiva.

Em outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal ratificou o posicionamento adotado em fevereiro de 2016, e decidiu que os réus deverão ser presos depois de condenados por um tribunal de segunda instância, sem o direito de recorrer em liberdade até que sejam julgados todos os recursos possíveis. O tribunal já tinha tomado essa decisão, mas com validade apenas inter pars, ou seja, para um preso específico. Entretanto, com este posicionamento, a regra foi estabelecida e terá de ser aplicada por juízes de todo o país, porque a nova decisão tem validade erga omnes, ou seja, nacional.

Não entraremos no mérito quanto à decisão supramencionada e seus efeitos polêmicos quanto à presunção de inocência, culpabilidade e afins. O que se quer discorrer encontra ensejo quanto aos efeitos destes atos na seara trabalhista.

Se o sistema adotado no Brasil encontra-se na taxatividade para aplicação da justa causa como medida disciplinar máxima do empregador, lembrando que a Consolidação das Leis do Trabalho é expressa quanto ao transito em julgado, como mitigar tal instituto ao ponto de promover a dispensa justificada em razão da impossibilidade de presença/execução do contrato de trabalho do obreiro?

A jurisprudência já se manifestou quanto a possibilidade de deferimento de justa causa se demonstrada a impossibilidade cristalina do colaborador a comparecer ao local de trabalho e exercer seu contrato de trabalho.

PROCESSO TRT/15ª REGIÃO Nº 0000670-64.2012.5.15.0102-RO.RECURSO ORDINÁRIO – JUSTA CAUSA – CONDENAÇÃO CRIMINAL (ART. 482, D, DA CLT) – CUMPRIMENTO DA PENA – RESCISÃO CONTRATUAL POSTERIOR – INSUBSISTÊNCIA. O fato autorizador da ruptura contratual, conforme previsto no artigo 482, alínea d, da CLT, não é a condenação criminal em si, mas a impossibilidade material de execução do contrato de trabalho, decorrente do cerceamento da liberdade do empregado. (grifo nosso).

TRT-3 - RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA RO 01331200904303005 0133100-98.2009.5.03.0043 (TRT-3). JUSTA CAUSA. CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. O art. 482, d, da CLT tipifica como justa causa para ensejar a rescisão contratual "a condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena", não sendo necessário que os fatos que determinaram a condenação criminal sejam relacionados com a prestação de trabalho, mas é a impossibilidade de continuidade na execução do contrato, em virtude da privação de liberdade do empregado que justifica a resolução contratual.

Dados de abril de 2016 fornecidos pelo jornal Uol Política indicam um aumento expressivo de 167% de pessoas encarceradas no Brasil nos últimos 10 anos, chegando a margem de 622.202 presos.

Com o posicionamento adotado pelo STF, indaga-se:

1) quais os reflexos na seara trabalhista?

2) existem possíveis reflexos?

Convido os senhores leitores(as) a refletir, seria possível supormos algum aumento na demanda penal carcerária em razão da possibilidade da antecipatória de reclusão? Se sim, tendo em vista que o deferimento de justa causa dá-se pela impossibilidade de continuidade na execução do contrato, conseguimos enxergar algum reflexo?

Imaginemos a seguinte situação: -João responde processo criminal em liberdade, seu processo esta tramitando no STJ, discutindo matéria infraconstitucional que poderá ou não invalidar o acórdão proferido pelo juízo a quo que o condenou a 10 anos de reclusão, acreditaram os desembargadores não ser necessária a prisão preventiva de João, logo, mesmo que haja um processo criminal, João não está impedido ou impossibilitado de continuar com a execução de seu contrato de trabalho, corolário lógico em baixo grau de probabilidade de deferimento à uma investida em justa causa pelo empregador.

Pois bem, agora imaginemos a mesma situação, contudo adotaremos o posicionamento atual proferido pelo STF: -João responde um processo criminal, contudo, seu processo está tramitando perante o STJ; devido ao posicionamento atual do STF, os desembargadores do Tribunal de Justiça responsáveis pelo processo de João, expediram mandado de prisão em cumprimento ao quanto estabelecido pelo órgão máximo constituinte. João estará recluso ao cumprimento de pena. João poderá ser demitido por justa causa, pois sua reclusão o impede e o impossibilita a continuar com a execução de seu contrato de trabalho.

Com esta história exemplificativa, o que encontramos é a mesma situação fática com conseqüências jurídicas distintas. Claro que estes reflexos ainda precisam ser estudados com maior atenção e demanda de tempo, tendo em vista que o posicionamento do STF foi ratificado apenas a dois meses (outrubro/2016), contudo, é possível eleger um raciocínio em detrimento das conseqüências possíveis em razão do desencadeamento jurídico pertinente a tese adotada pelo STF.


Notas e Referências:

ALMEIDA, Amador Paes de. CLT comentada. 9. ed. rev., atual. e ampl. por colaboração dos advogados André Luiz Paes de Almeida, Caroline Z. G. Paes de Almeida, Marina Batista S. L. Fernandes e Paulo Octávio Hueso Andersen. São Paulo: Saraiva, 2015.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. CLT comentada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 15. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

OLIVEIRA, James Eduardo. Constituição federal anotada e comentada: doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das Leis do Trabalho: comentada. 49. ed. atual., rev. e ampl. por José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castello Branco. São Paulo: LTr, 2016.

Uol Política. Noticia publicada em 26 de abril de 2016. Acessado em 08 de dezembro de 2016. http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2016/04 /26/numero-de-presos-no-brasil-mais-que-dobra-em-14-anos/


carlos-vinicius-mariano-magno. . Carlos Vinicius Mariano Magno é acadêmico de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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