“DIREITA E ESQUERDA”: HISTÓRIA, DEBATES E TENDÊNCIAS

07/03/2020

O presente tema tem por objetivo analisar a díade direita e esquerda, visando discutir suas representações nos dias atuais. A comparação entre velhas ideologias e definições contemporâneas nos levam a crer que, apesar da ideia de direita e esquerda datarem na Revolução Francesa, o debate sobre o tema permanece atual e servem como base para compreender os posicionamentos políticos.

Não se pode negar que a política é um assunto sempre vigente e cada vez mais importante na esfera de decisões sociais. Dessa forma, é relevante posicionar-se politicamente sendo de esquerda ou direita, visto que, tal posicionamento influencia em temas econômicos e sociais. Dito isso, compreender a gênese, o conceito e a ideologia do que se entende por direita e esquerda e seus desdobramentos no campo político é de extrema importância e tem efeito direto sobre a vida do cidadão e seu convívio em sociedade.

Na busca de compreender a díade direita e esquerda desde a sua origem até os dias atuais, faz-se necessário refletir sobre vários aspectos relevantes para o entendimento dessa dicotomia nos diversos momentos da história. Afinal, qual a origem dos termos? Em que consistem as ideologias clássicas? Quais são as novas ideologias? Qual a relação entre os velhos e novos temas? Estas e outras questões parecem ser fundamentais para desenvolver um estudo comparativo entre as teorias clássicas e atuais (direita e esquerda), objetivo principal do presente artigo.

Para dar conta do objetivo traçado, primeiramente será apresentado a origem da dicotomia dos termos em questão, em seguida, será realizada uma comparação entre as ideologias econômicas e sociais visando entender a importância de posicionar-se politicamente. É importante ressaltar que as considerações aqui desenvolvidas estão apoiadas nos estudos de Bobbio (1998), Bresser (2006) e Scheffeer (2014).

 

DIREITA E ESQUERDA: HISTÓRIA, DEBATES E TENDÊNCIAS.

Na Ciência Política, poucos temas possuem tanto destaque como os termos esquerda e direita. Isso acontece porque é comum a utilização da dicotomia, pelos eleitores e líderes políticos para indicar seus posicionamentos, em medida diversa sobre as classes sociais. Indiferente qual seja a interpretação da díade, devemos ressaltar sua importância no âmbito partidário e público.

 Para adentrar nas discussões dessa díade, se faz necessário compreender o conceito de ideologia, já que, é fator primordial para o entendimento dos assuntos tratados.  A palavra ideologia foi criada por Destutt de Tracy, no séc. XIX, e significa, etimologicamente, ciência das ideias. Segundo Marilena Chaíu (1980, p. 43), a ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade como devem pensar e agir. Portanto, ideologia é a forma que o indivíduo orienta suas decisões, em seu âmbito público.

Segundo Scheeffer (2014), ideologia é falar das diferentes crenças políticas, conjuntos de ideias e de valores a respeito da ordem pública e tem como função orientar os comportamentos políticos coletivos. Oferecendo uma percepção de "sociedade ideal", a ideologia promove uma mudança política para alcançar os extremos. Entende-se assim, que o comportamento das pessoas reflete o seu posicionamento político, apresentando uma visão diferenciada de mundo.

Visando o entendimento dos conceitos de direita e esquerda, é importante conhecer sobre o surgimento dessas nomenclaturas. Historiadores afirmam que essa dicotomia surgiu na Revolução Francesa (1789), quando iniciaram-se os trabalhos para a elaboração da primeira constituição francesa e quando os representantes políticos se posicionaram em lugares diferenciados nos assentos do plenário. É possível afirmar que à esquerda estavam os que queriam a mudança e à direita os defensores da velha ordem. Essa divisão de posicionamentos políticos proporcionou um novo paradigma da organização política. Como salienta Silvia Mangerona (2011, p. 69):

A dicotomia esquerda-direita nasce durante a Revolução Francesa.  Na sequência de um forte descontentamento social e na tentativa da edificação de uma nova sociedade, Luís XVI permite, em 1789, a Assembleia nacional Constituinte com a representação de todas as classes sociais. Na presidência do «hemiciclo», o Rei colocou à sua esquerda os que se opunham ao seu veto legislativo; à direita sentaram-se os apoiantes da continuação do poder monárquico e do veto do Rei. À esquerda estavam os que queriam a mudança; à direita os defensores da velha ordem e da tradição. Esta organização topográfica das várias posições políticas proporcionou, até aos dias de hoje, um novo paradigma da organização política. Do posicionamento por comparação, da defesa das idiossincrasias de cada classe social, nascem novas orientações políticas, sociais e econômicas que resultam no nascimento de várias ideologias.

Segundo Bobbio (1983, p 402), o espaço político mais utilizado, tanto no âmbito da pesquisa científica como no do debate político, é a díade esquerda-direita. Nas afirmações do mesmo autor a

direita e esquerda são termos antiéticos que há mais de dois séculos têm sido habitualmente empregados para designar o contraste entre as ideologias e entre os movimentos em que se divide o universo, eminentemente conflitam, do pensamento e das ações políticas. (BOBBIO, 1998, p. 48)

Para o autor, existe distinção em vários aspectos entre essa díade, utilizando-se do conceito de igualdade, que para esquerda deve ser priorizada, enquanto para direita, a desigualdade dos homens é algo natural.

 De acordo com Bresser (2006, p.8 ), a direita é o conjunto de forças políticas que em um país capitalista e democrático luta, sobretudo, para assegurar a ordem, dando prioridade a esse objetivo, enquanto a esquerda reúne aqueles que estão dispostos, até certo ponto, a arriscar a ordem em nome da justiça.

É importante ressaltar que, desde o surgimento das terminologias (direita e esquerda), ocorreram várias mudanças em relação aos seus posicionamentos políticos, culturais, religiosos, sociais, entre outros, ocasionadas pela globalização e o constante desenvolvimento da sociedade.

Na teoria clássica, de acordo com Scheeffer (2014, p. 9-10), teríamos uma esquerda defendendo que: o Estado deve intervir na economia sempre que haver necessidade para não ocasionar desigualdade social; a criminalidade é explicada pela desigualdade de oportunidades num contexto social e a ampla legislação trabalhista deve normatizar o mundo do trabalho. Ao contrário da esquerda, a direita clássica, de acordo com o autor, defende: a autorregulamentação do mercado, com intervenção mínima do Estado; que a pobreza é falta de esforço e sempre existirão ricos e pobres; a criminalidade é de responsabilidade individual e o mercado de trabalho autorregula as relações trabalhistas.

A partir da metade do século XX, as “novas” ideologias passaram a se preocupar mais com interesses culturais do que econômicos; assim, nos últimos anos, a esquerda volta os seus interesses para assuntos como: homossexualidade, feminismo, descriminalização de drogas, legalização do aborto, estado laico, problemas ambientais e na defesa da luta dos trabalhadores; enquanto à direita, se contrapõem aos ideais defendidos pela esquerda, considera o aborto ilegal bem como o uso de drogas, é contra o casamento homoafetivo, ameniza os problemas ambientais, não se preocupa com a luta de classes e tem como a prioridade a defesa da religião atrelada ao conservadorismo.

 

O LIBERALISMO IDEOLÓGICO ENTRE DIREITA E ESQUERDA

 Segundo Scar (2015, p 1) o liberalismo defende as esferas das liberdades individuais, pois cada um possui posições morais, não podendo se limitar a díade direita e esquerda. Ele separa a anarquia no momento em que o Estado justifica, o porque as liberdades individuais são concorrentes e regula essa concorrência para evitar a lei do mais forte. No século XIX, era normal um liberal se posicionar mais à esquerda, visto que, na época, ser de esquerda era lutar contra as elites sociais, e se questionar o status quo. Já no século XX, está situação se alterou, pois a esquerda começou adotar posições mais voltadas ao pensamento pró-Estado, e se pendendo mais ao pensadores conservadores.

Almeida (2001) expõe que na dimensão econômica, a mínima intervenção na regulamentação estatal está associada com ser de direita. O oposto está associado à esquerda. Justamente o inverso ocorre quando tratamos de compreender a ação do estado em relação aos costumes. A punição ou regulamentação de comportamentos sociais e culturais como criminalizar o aborto está associado à direita. A não ação social nesse caso está associada à esquerda.

Historicamente, os termos direita e esquerda estavam ligados a posições em relação ao bem-estar econômico e social (Sheffer, 2014, p. 15), no entanto, hoje em dia, vem crescendo várias discussões entre os eleitores e seus representantes que estão cada vez mais se posicionando aos extremos. Para a esquerda a democracia é um direito fundamental da sociedade, porém, a direita apoia que o mercado deve coordenar o Estado.

Apesar das críticas, a linha esquerda-direita permanece atuando, a utilidade deste paradigma interpretativo resulta da sua própria edificação e reconhecimento que é “um poderoso instrumento de simplificação e comunicação, como tal vem incorporando e absorvendo uma série de conflitos e problemas societários recentes”. (THOMASSEN, 1999. Apud: Sheefer, 2014, p. 17)

Para Rui Valada (2012, s.p.) à esquerda encontramos geralmente uma linguagem mais populista, que procura distribuir benefícios sociais, financiados por impostos e taxas, novos programas para proteger os direitos e garantias públicas. Já à direita, encontramos uma dimensão mais moderada em relação a administração pública, a qual busca a defesa da produtividade, a administração empresarial, e a moderação no crescimento salarial. Em poucas palavras, teríamos uma esquerda buscando um avanço nas conquistas sociais, sem se importar se o sistema econômico pode suportar, e no ponto de vista da direita privilegia a meritocracia, muitas vezes, não se importando com as desigualdades sociais. Como salienta Sheeffer (2014, p. 20):

Frente à multiplicidade de concepções político-ideológicas vigentes hoje, entretanto, não parece coerente buscar agrupar toda essa gama de assuntos que passam a estar na pauta do discurso político atual em apenas duas grandes categorias conceituais. Esse movimento seria uma simplificação bastante "grosseira" do mundo. Muitos deles podem ser considerados independentes das ideologias clássicas e, por isso, por mais que se faça um esforço de buscar relações, o resultado final é a percepção do quão desconexos muitos deles se apresentam. Embora possam ainda falar em ideologias políticas, em muitos casos não faz sentido falar em esquerda e direita. As categorias esquerda e direita ainda servem como atalhos informacionais, embora como toda tentativa de simplificação do mundo apresenta limites. Embora possam ainda falar em ideologias políticas, em muitos casos não faz sentido falar em esquerda e direita.

Apesar do seu caráter filosófico e informativo, a díade que foi aqui analisada possuía suas limitações, uma vez que em muitos casos ela não dá conta da diversidade das próprias ideologias, que é fruto da complexidade das sociedades modernas. Dito em outras palavras, as circunstâncias sociais, políticas, históricas e culturais devem ser levadas em conta para qualquer análise que problematize os conceitos de direita e esquerda.

Como endossa Silvia Mangerona (2011, p. 70)

A introdução dos conceitos esquerda e direita, como grupos ideológicos que arrumam as diversas forças políticas, proporciona uma simplificação das ideias, posições e reivindicações que a pluralidade democrática imprime ao tecido e organização social. Com o tempo e a crescente complexidade das sociedades democráticas ocidentais, a dicotomia esquerda-direita ganha novas relações e subdivide-se em novas derivações. O surgimento de novas correntes, como a «terceira via» e o «conservadorismo compassivo», questiona a solidez da análise dicotômica esquerda-direita. No entanto, a História recente mostra que a distinção analítica no eixo esquerda-direita tem permitido «encaixar» posicionamentos intermédios.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nas discussões anteriormente apresentadas conclui-se que, frente à multiplicidade de concepções político-ideológicas vigentes hoje, os termos direita e esquerda servem como base para compreender os posicionamentos políticos.

Levando em consideração a importância da díade no campo das Ciências Sociais e Políticas é possível afirmar que as transições de valores que ocorreram nas últimas décadas influenciaram na construção de novas concepções ideológicas direita e esquerda, tais como conhecemos hoje.

Compreender os fatores principais que diferenciam dois lados políticos totalmente distintos, nos permitem refletir sobre nossas percepções de mundo e fundamentar ações diante da escolha dos representantes, visto que, os líderes políticos podem posicionar-se,  em sua totalidade, ao lado que melhor define seus ideais. Sendo assim, os cidadãos, que tem conhecimento do que a direita e a esquerda defendem, estará mais apto ao voto de forma consciente, buscando melhorias para a sociedade em geral.

 

Notas e Referências

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BOBBIO, Noberto. Dicionário Político. Tradução de Carmen C. Varriale, Gaetano Lo Mônaco, João Ferreira, Luís Guerreiro Pinto Cacais e Renzo Dini Brasília. Editora UNB. 1998.

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CHAUÍ, Marilena. O que é Ideologia? São Paulo: Editora Brasiliense. 1980.

MANGERONA, Silva. Esquerda-Direita: Uma Dicotomia Atual ou Anacrónica?. ResPublica: Revista Lusófona de Ciência Política, Segurança e Relações Internacionais nº 11, 2011, p. 67-75.  Disponível em: http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/handle/10437/4295/esquerda_direita.pdf?sequence=1. Acesso em 27/05/2016.

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THOMASSEN, J. Political communication between political elites and mass publics: the role of belief systems. In: MILLER, W. et al. Policy representation in western democracies. New York: Oxford University Press, 1999. Apud: SCHEEFFER, Fernando. Esquerda e direita: velhos e novos temas. Anais do 38º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, MG, 2014 p.  1-24. Disponível em: http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=9084&Itemid=456. Acesso em 2705/2016.

VALADA, Rui. Esquerda e Direita. Agosto. 2012. Disponível em: http://ruivalada.blogspot.com.br/2002/08/esquerda-e-direita.html . Acesso em 01/06/2016.

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Questões relevantes. Disponível em: https://questoesrelevantes.wordpress.com/about/. Acesso em 27/052013.

 

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