Da nomeação de candidato aprovado em concurso público decorrente de decisão não transitada em julgado, proferida em Mandado de Segurança – Por Ezequiel Pires

02/04/2017

1 Introdução

No âmbito do cumprimento de sentença, não transitada em julgado, em Mandado de Segurança, com determinação de que o administrador público dê posse a candidato aprovado em concurso público, há que se perquirir os contornos desse cumprimento imediato da ordem, em confronto com as normas aplicáveis à situação jurídica.

O Direito pátrio não admite posse precária de servidor em cargo público (MAS n. 0006306-34.2002.4.01.3400/DF – e-DJF1 de 28.06.2010” (TRF, 1ª Região, Agravo n. 750481420114010000/MG, rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian, julgado em 15/07/2013, 6ª Turma), contudo deve ser analisado se a nomeação, por força de sentença/acórdão, em mandado de segurança, enquadra-se na provisoriedade vetada em lei.

A legislação abriga diversas vedações à concessão de medidas liminares e de antecipação de sentença quando se tratar de direitos com repercussão que impliquem em reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. 

2. Das vedações previstas no art. 14, § 3º, da Lei 12.016/2009, e 2º-B, da Lei 9.494/1997

Os dispositivos legais ora analisados tratam de vedações legais à concessão de liminares, quer em mandados de segurança, quer em outros procedimentos, e têm a seguinte redação:

Lei 9.494/1997. Art. 2-B. A sentença que tenha por objeto a liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão ou aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive de suas autarquias e fundações, somente poderá ser executada após o seu trânsito em julgado (grifo nosso).

Lei 12.016/2009. Art. 14, § 3º. A sentença que conceder o mandado de segurança pode ser executada provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão de liminar.

Por sua vez, o § 2º, do art. 7º, da Lei 12.016/2009, expressamente estabelece:

§ 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza (grifo nosso).

Logo, reside dúvida sobre a possibilidade de auto-executoriedade ou não de sentença ou acórdão, uma vez que a nomeação acarretará à Administração Pública ônus representado pelo pagamento dos vencimentos devidos e demais vantagens pecuniárias ao servidor, quando do exercício do cargo.

Porém, para que o recebimento das referidas vantagens pelo servidor ocorra, necessária é a implementação de todas as fases do procedimento de investidura, das quais a nomeação é apenas a primeira, bem como a ocorrência do efetivo exercício das suas funções. Somente aí, com a real prestação dos serviços, é que o servidor estará habilitado para receber a contraprestação.

Sobre o tema, recente julgado do Superior Tribunal de Justiça estabelece:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO DE CANDIDATO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. INDENIZAÇÃO. DESCABIMENTO. ORIENTAÇÃO SUFRAGRADA PELA SUPREMA CORTE EM REPERCUSÃO GERAL.

1. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que os candidatos não fazem jus aos vencimentos e demais vantagens referentes ao período compreendido entre a data em que deveriam ter sido nomeados e a efetiva investidura no serviço público, ainda que a título de indenização, mesmo que a situação seja reconhecida judicialmente, em face da imprescindibilidade do efetivo exercício do cargo (AgRg no REsp 1116148/RS, rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe de 18/05/16, grifo nosso).

De outra banda, a boa hermenêutica determina que, por serem os dispositivos em análise atinentes à aplicação de regras para situações excepcionais, devem ser interpretados de forma restritiva.

Tanto é que o Superior Tribunal de Justiça tem firme jurisprudência a respeito do tema:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO E POSSE EM CARGO PÚBLICO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À LEI 9.494/97. EMBARGOS ACOLHIDOS SEM EFEITO MODIFICATIVO.

1. A vedação contida na Lei 9.494/97 em relação à concessão de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública nos casos de aumento ou extensão de vantagens a servidor público não se aplica nas hipóteses em que o autor busca sua nomeação e posse em cargo púbico, razão da sua aprovação em concurso público. Precedentes do STJ.

2. Possibilidade da execução provisória, na hipótese dos autos, para cumprimento da determinação do acórdão embargado (EDcl nos EDcl no RMS 27.311/AM, rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 14/02/2014).

Logo, percebe-se que a interpretação dada pelo Tribunal à legislação não proíbe o pagamento de vencimentos, mas sim de outras vantagens, eventuais ou não, que, acrescidas ao vencimento, aumentariam a remuneração de servidores sem que a administração pudesse prever esse ônus.

Tanto é verdade que a palavra “vencimento” nem sequer é utilizada pelo legislador.

Por fim resta asseverar que a Suprema Corte também já decidiu serem inaplicáveis os dispositivos quando se tratar de nomeação, conforme podemos observar com o que foi decidido nos autos da Reclamação n. 9.270/SP:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. SENTENÇA QUE DETERMINA A IMEDIATA NOMEAÇÃO E POSSE EM CARGO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE DESRESPEITO AO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ADC 4.

[...]

2. A reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou extensão de vantagens (art. 5º da Lei 4.348/1964) cuidam da específica situação em que um servidor público postula tais direitos em Juízo. O mesmo vale para o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias de que trata o §4º do art. 1º da Lei 5.021/1966.

3. A determinação de que candidatos sejam nomeados e empossados em cargo público não ofende a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADC 4. A postulação para ingresso nos quadros funcionais do Estado diz respeito ao direito de acesso aos cargos, empregos ou funções de natureza pública. Direito expressamente assegurado pelo inciso II do art. 37 da Constituição Federal e consistente na instauração de vínculo jurídico então inexistente. Direito, portanto, à formação de um liame jurídico a que o Poder Público, no caso, resiste. Já os demais direitos subjetivos, versados na ADC 4, esses dizem respeito a relação jurídica preexistente, ou, se se prefere, dizem respeito a institutos jurídicos que tem por pressuposto de incidência uma anterior relação jurídica entre o servidor público e a pessoa do Estado. Relação jurídica em nenhum momento posta em causa quanto à juridicidade de sua formação, ou de sua continuidade (STF, Recl. n.9.270/SP, rel. Min. Ayres de Brito, julgado em 24/03/2011).

Logo, quer sob o aspecto material, quer sob o adjetivo, entende-se que a sentença, ou o acórdão, ainda sem trânsito em julgado, devam ser cumpridos, diante da natureza mandamental da ação. Demais disso, eventuais embargos declaratórios apenas suspendem o prazo recursal, mas não o cumprimento da segurança, sendo que o recurso especial e o extraordinário não possuem efeito suspensivo, a não ser que sejam veiculados os respectivos pedidos para a atribuição de efeitos suspensivos, nos moldes processuais.

Por outro lado, caso a decisão venha a ser reformada, em âmbito recursal, após a nomeação e posse do servidor, a jurisprudência é clara ao afirmar por sua reversão, não havendo prejuízo econômico porque haverá ocorrido a contraprestação do serviço por parte do Impetrante (STF, RE n. 608.402, rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 29/10/2014).


 

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