Afora um, o calaboca foi geral – Por Léo Rosa de Andrade

15/06/2016

Não sei se devo desconfiar do vice-presidente Temer porque ele era sócio da empreitada política da presidenta Dilma, ou se devo desconfiar da presidenta Dilma porque ela era sócia da empreitada política do vice-presidente Temer.

Talvez deva desconfiar dos sócios e da sociedade. Afinal, os vazamentos gerais da República estão nos contando o estado de decadência moral providenciado exatamente pelas coligações eleitorais desses parceiros et caterva.

Acrescento suspeita aos acólitos que compõem torcida. Os grupamentos que se formaram para justificar, de cada banda, as desafeições de nossos dirigentes à ética não são mais elevados que seus líderes.

Desgosto da gritaria da claque mortadela e deploro o silêncio da torcida coxinha. Uma e outra insistem em apartar o governo Temer do governo Dilma, em distinguir o governo do PT do governo do PMDB.

Ora, essas siglas têm diferença programática e histórica, mas, na concretude das nossas relações de poder político, elas se amancebaram até as entranhas e se instalaram nos organismos do Estado.

E não têm, cada qual à sua vez, diferença de método e de conteúdo. Tome-se essa estupidez do Temer de alhear o feminino do seu ministério. De fato, é uma insensibilidade diante dos patamares civilizatórios que alcançamos.

Mas essa alienação temerista das lutas por igualdade de gênero não é diferente em modo ou em substância do absurdo de Dilma haver barganhado a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara com o pastor Feliciano.

Nessa empreitada malsucedida, salvo no ofício de roubar, nem o consórcio, nem os sócios, nem os agentes, nem os utentes, nem as claques, nem nada ou ninguém é inocente dos cometimentos dos empreiteiros.

O lulopetismo, diante das revelações do Mensalão, ter-se-ia encerrado no primeiro quadriênio se Lula se não houvesse repartido o “butim” com Sarney. Dilma nem sequer teria sido eleita não fora a coligação com Temer.

E tome-se Jucá. Caiu do ministério Temer, mas suas supostas implicações criminosas agora vazadas são de tempos anteriores. Na sua biografia inclui-se a liderança dos governos de Lula e Dilma.

Quanto a Renan. Alguém desconhece que o presidente do Senado foi um constante aliado do lulopetismo. Dilma indicou, pelo bem dos negócios de ambas as partes, protegidos seus inclusive para um tribunal superior.

Nesse estado de desgoverno, como separar joio de trigo? PT de PMDB? O estofo ético desses políticos com conversas vazadas (Lula, Dilma, Sarney, Renan, Delcídio, Jucá) impediu mancomunações para si e contra o Brasil?

Sobre isso, não se há de cultivar muita ilusão, ou se estará em situação de inocência útil na defesa de interesses inconfessáveis, só sabidos por indiscrição de diálogos gravados e ilegalmente abridas ao público em geral.

Mas boa parte do público em geral também é suspeita. Os panelaços coxinhas, onde estão? Será que se deram por atendidos com a saída da sócia majoritária dos desmandos? E os mortadelas, sobre os vazamentos judiciais?

Uma gravação da Dilma entregando dellivery uma nomeação a Lula gerou justa indignação. Se coerente, o mortadelismo não deveria protestar contra o “complô judicial” que vaza seletivamente Sarney, Jucá, Renan?

Vladlimir Safatle (FSP, 03 JUN 16) vê conspiração da casta política, do Judiciário, de setores da imprensa, da oligarquia financeira e da igreja evangélica conservadora (sic) no desajuste que levou ao impeachment.

Nada disso. Dilma não servia a mais ninguém. Atrapalhava o sistema de interesses que ela mesma compunha. Não houve conspiração. Foi uma “dispensa de função” articulada em público por forças que vêm política como negócio.

O que pouca gente reconhece é que essas forças que se rearranjaram são as mesmas que deram a Dilma o seu mandato. Os nomes estão aí: o principal do ministério Temer não tem passagem pelo lulopetismo?

Agora, em contramão da prudência, Temer soube agradar geral: aumento ao funcionalismo. Dilma e Temer atuam iguais: contentam o povo comprometendo o futuro com dinheiro público. Equiparo isso a corrupção.

Ninguém recusou. Ninguém, não! Luiz Guilherme Marques, juiz mineiro, explica sua rejeição ao aumento do Judiciário que impacta os gastos públicos em bilhões: “Isso me faz pensar no povo carente que pagará o preço do reajuste”.

Em seu digno e solitário gesto, pensou: “Estou fora. Pedir para ganhar menos é um direito meu. Fiz uma carta para o presidente do Tribunal de Justiça, mas ele indeferiu o pedido”. Duvido que tenha sucesso na pretensão.

Com exceções, deputados de todos os matizes apoiaram a bondade que estoura o já estourado erário. E a cidadania? “O brasileiro esquece a ideia de coletividade, do ‘todos por todos’”, diz o magistrado (Veja, 15 jun16).

No mundo da baixa política, diz-se dar um calaboca quando se providencia vantagem pecuniária para agradar alguém que incomoda um arranjo barganhado. Desejo que não, mas esse reajuste semelha um calaboca meio geral.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Torcida // Foto de: nicholasbittencourt // Sem alterações

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