AÇÃO RENOVATÓRIA E OS CUIDADOS QUANTO AOS ASPECTOS AMPLIATIVOS DA PROTEÇÃO AO PONTO EMPRESARIAL

19/09/2019

Neste mesmo Portal — precisamente na Coluna de Direito Empresarial e Análise Econômica — no mês de setembro de 2017, tratamos da ação renovatória e a proteção do ponto empresarial nas locações empresariais puras e complexas[1].

Passados praticamente dois anos daquela reflexão, volta à tona uma discussão importante e polêmica sobre a ação renovatória, ação típica prevista no artigo 51 da Lei 8.245/1991), cujo tema, agora abrangido por situações peculiares, é devolvido aos Tribunais com o propósito recursal de esclarecer a seguinte dúvida: a antena de celular no contexto de uma “Estação Rádio Base - ERB” instalada em imóvel locado caracteriza-se como fundo de comércio a ponto de autorizar o uso de ação renovatória?

Pois bem! A Terceira Turma do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.790.074, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, entendeu positivamente quanto à indagação acima. Confira-se o teor da ementa:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RENOVATÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. IMÓVEL LOCADO PARA INSTALAÇÃO DE ESTAÇÃO DE RÁDIO BASE. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO DE TELEFONIA CELULAR. ESTRUTURA ESSENCIAL AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE. FUNDO DE COMÉRCIO. CARACTERIZAÇÃO. INTERESSE PROCESSUAL. EXISTÊNCIA. JULGAMENTO: CPC/15.

1. Ação renovatória de locação de imóvel ajuizada em 29/06/2015, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 14/03/2018 e concluso ao gabinete em 26/10/2018.

2. O propósito recursal é dizer se a "estação rádio base" (ERB) instalada em imóvel locado caracteriza fundo de comércio de empresa de telefonia móvel celular, a conferir-lhe o interesse processual no manejo de ação renovatória fundada no art. 51 da Lei 8.245/91.

3. Por sua relevância econômica e social para o desenvolvimento da atividade empresarial, e, em consequência, para a expansão do mercado interno, o fundo de comércio mereceu especial proteção do legislador, ao instituir, para os contratos de locação não residencial por prazo determinado, a ação renovatória, como medida tendente a preservar a empresa da retomada injustificada pelo locador do imóvel onde está instalada (art. 51 da lei 8.245/91).

4. Se, de um lado, a ação renovatória constitui o mais poderoso instrumento de proteção do fundo empresarial; de outro lado, também concretiza a intenção do legislador de evitar o locupletamento do locador, inibindo o intento de se aproveitar da valorização do imóvel resultante dos esforços empreendidos pelo locatário no exercício da atividade empresarial. 5. As estações de rádio base (ERBs), popularmente reconhecidas como "antenas", emitem sinais que viabilizam as ligações por meio dos telefones celulares que se encontram em sua área de cobertura (célula). E a formação de uma rede de várias células - vinculadas às várias ERBs instaladas - permite a fluidez da comunicação, mesmo quando os interlocutores estão em deslocamento, bem como possibilita a realização de várias ligações simultâneas, por meio de aparelhos situados em diferentes pontos do território nacional e também do exterior. 6. As ERBs se apresentam como verdadeiros centros de comunicação espalhados por todo o território nacional, cuja estrutura, além de servir à própria operadora, responsável por sua instalação, pode ser compartilhada com outras concessionárias do setor de telecomunicações, segundo prevê o art. 73 da Lei 9.472/97, o que, dentre outras vantagens, evita a instalação de diversas estruturas semelhantes no mesmo local e propicia a redução dos custos do serviço. 7. As ERBs são, portanto, estruturas essenciais ao exercício da atividade de prestação de serviço de telefonia celular, que demandam investimento da operadora, e, como tal, integram o fundo de comércio e se incorporam ao seu patrimônio. 8. O cabimento da ação renovatória não está adstrito ao imóvel para onde converge a clientela, mas se irradia para todos os imóveis locados com o fim de promover o pleno desenvolvimento da atividade empresarial, porque, ao fim e ao cabo, contribuem para a manutenção ou crescimento da clientela.

9. A locação de imóvel por empresa prestadora de serviço de telefonia celular para a instalação das ERBs está sujeita à ação renovatória.

10. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 1790074/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 28/06/2019)

De fato o conteúdo do julgado (destaques acima) traz um ponto de vista diferente da visão tradicional, pois o entendimento supra é de que o cabimento da ação renovatória se irradia para todos os imóveis locados com o fim de promover o pleno desenvolvimento da atividade empresarial, não se limitando ao imóvel onde a clientela converge.

Trata-se de uma situação “surpresa”, pois os negócios jurídicos que envolvem a instalação de antenas do gênero (Estação Rádio Base – ERB) costumam albergar variados tipos de tecnologias e a estrutura jurídica criada nem sempre está concentrada em um contrato de locação, mas de cessão de espaço, concessão, aquisição e outras formas híbridas.  

Por ocasião do CONPEDI, ao lado do Prof. Eduardo Oliveira Agustinho[2], tratamos sobre a ação renovatória no contexto do justo equilíbrio entre a tutela do empresário locatário e do proprietário locador, onde estabelecemos como premissa o entendimento sobre “estabelecimento empresarial”, para compreender a razão da existência da ação renovatória, pois é a partir dele ¾ estabelecimento ¾ que gravitam as peculiaridades da pretensão e a lógica da proteção ao ponto empresarial.

A compreensão da natureza jurídica do estabelecimento empresarial possui importante repercussão, mas há divergência na caracterização como “universalidade de fato” ou “universalidade de direito” (CC, artigos, 90 e 91), um pouco mais amena diante da definição dada pelo Código Civil. O artigo 1.142 do referido código expressa que: “considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.

Pelo conteúdo do dispositivo legal citado, “consagrado está o entendimento doutrinário dominante, no sentido de que o estabelecimento é uma universalidade de bens que passa a ser uma universalidade de direito e não uma universalidade de fato, como anteriormente se apresentava”[3].

O empresário ou sociedade empresária, ao destinar bens corpóreos e incorpóreos para o exercício da atividade empresarial, estará formando o estabelecimento, que pode ser objeto de operações de natureza obrigacional, por meio de negócios translativos ou constitutivos, portanto, objeto de usufruto, cessão ou arrendamento. A cessão ou alienação se dá por meio do que a doutrina chamou de contrato de trespasse[4]

Fixadas essas premissas e partindo do pressuposto que, dentre os elementos do estabelecimento, destaca-se o ponto empresarial, que possui valoração econômica própria e se constitui do local onde o empresário exerce a sua atividade empresária, é possível responder pela proteção e o que pensou o legislador para dar equilíbrio na relação locatícia, no sentido de possibilitar não apenas a prorrogação forçada do pacto, mas também de evitar indenizações por parte do proprietário locador.

Segundo Teixeira “ponto ou ponto empresarial é a localização física do estabelecimento, que é valorizado pelo deslocamento efetuado dos clientes desde a saída de um local até a chegada nele para realizarem compras”[5]. O referido autor avança para a caracterização do estabelecimento virtual (tema para ulterior análise), no sentido de que um nome de domínio pode ser considerado um ponto virtual, de igual forma, suscetível de proteção jurídica nos moldes do ponto físico[6].

Como forma de compensação ao ponto empresarial, o legislador permitiu a renovação compulsória dos contratos, desde que atendidos os pressupostos subjetivos, formais e processuais.

O artigo 51 da Lei 8.245/91 estabelece a possibilidade da renovação compulsória do contrato de locação empresarial, desde que o locatário empresário atenda aos requisitos aqui resumidos: contrato por escrito e por tempo determinado; que a soma dos contratos a renovar ou um único alcance cinco anos; que o locatário esteja explorando o mesmo ramo de atividade de forma ininterrupta, por no mínimo, três anos, além de outros critérios de ordem subjetiva e de prática processual. 

O ajuizamento da ação renovatória deve dar-se no interregno entre 12 e 6 meses antes do termo final do respectivo contrato, sob pena de caracterização da decadência e resolução do processo.

A lógica de proteção ao ponto empresarial apenas haverá para contratos que guardem as características retro, do contrário o empresário locatário não terá a garantia outorgada pelo legislador, por isso a atenção, na fase pré-contratual, deve ser redobrada, pois o investimento deve estar pautado no interesse pela continuidade e não pela solução temporária de um negócio em determinado local previamente escolhido pelas características de acomodação do ramo de atividade.

Atendendo às indagações iniciais, cabe ponderar que, tanto nas locações empresariais tradicionais ou puras, como nas atípicas ou complexas, existe a proteção ao ponto empresarial para o fim de dar viabilidade à interposição de ação renovatória.

Ressalva-se, porém, que o caso que se apresenta (Estação Rádio Base – ERB) é ainda mais desafiador, pois não se trata de uma locação comercial tradicional pura, atípica e ou complexa (shopping center/built to suit), mas de modalidade em que não há porta aberta ao público para convergir clientela, à similaridade do que ocorre com o ponto virtual, sem guardar, portanto, identidade para merecer o mesmo tratamento.

Em uma conversa informal com amigo e dileto professor Álvaro Augusto Camilo Mariano, vieram à lembrança os fundamentos originais da ação renovatória e a interpretação dos tribunais, ainda ancorados em um ponto estático, tal como justificou o legislador na época da edição da lei/referência. Todavia, no presente caso, há um desbordamento daqueles fundamentos e da interpretação corriqueira, cabendo questionar até que ponto o tipo ampliativo favorece o mercado de locações comerciais, e qual o impacto disso no processo decisório do empresário, locador ou locatário.

A partir do mesmo diálogo, aplicando-se o raciocínio utilizado pelos julgadores da questão pautada, permitir-se-iam outras hipóteses de renovação compulsória dos contratos de locação, tais como: imóveis utilizados para o depósito e apoio logístico, como, por exemplo, o espaço destinado à garagem de uma concessionária de automóveis ou o espaço destinado ao estoque de uma distribuidora de bebidas, mesmo que a empresa de varejo (usuária destes espaços) esteja sediada em imóvel não contíguo, ou seja, longe da sede onde a clientela converge.

Conclui-se com a perspectiva de contribuição para o debate e para o monitoramento das decisões e os seus impactos no âmbito econômico-empresarial, situação a ser sentida a partir da consolidação ou não da tese levada a efeito no julgamento em comentário, pois, pode estar nascendo, ainda que ofuscado, o desequilíbrio na oscilação dessa balança, na medida em que, ao conferir-se excessivo valor ao — ponto/local da antena — no caso hipótese, o Locador fica desprotegido e a mercê da eternização do contrato.

 

Notas e Referências

[1] Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/acao-renovatoria-e-a-protecao-do-ponto-empresarial-nas-locacoes-empresariais-puras-e-nas-complexas-shopping-center-pontos-convergentes-e-divergentes-por-joao-carlos-adalberto-zolandeck>. Acesso em: 16 set 2019.

[2] AGUSTINHO, Eduardo Oliveira e ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. Direito Empresarial. Apontamentos sobre a ação renovatória – a interpretação do justo equilíbrio entre a tutela do empresário locatário e do proprietário locador. Coord. Márcia Carla Pereira Ribeiro/Sandro Mansur Gibran/Antônio Carlos Diniz Murta, Curitiba-PR.: vol 14 – 1ª. ed. Clássica Editora, p. 442.

[3] BERTOLDI, Marcelo; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 9ª. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 115.

[4] NEGRÃO, Ricardo. Direito Empresarial: estudo unificado. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 101-102.

[5] TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 84.

[6] TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 87.

 

Imagem Ilustrativa do Post: architecture // Foto de: Dale Cruse // Sem alterações

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