A teoria da agência internalizada no contrato como ferramenta para o pleno exercício do controle nas sociedades anônimas

08/03/2018

Adotar a teoria da agência para solucionar conflitos tem aplicação em qualquer estrutura empresarial, destacando-se, aqui, a sociedade anônima, onde os interesses do agente em relação aos do principal tendem a prevalecer, sendo recomendável a adoção de estratégias de governança corporativa, apoiadas em estruturas jurídicas, com o objetivo de diminuir os custos de agência.

É nítida a opção legal pela imposição de limites à atuação do acionista quanto à gerência da SA, o que gera efeitos no ambiente corporativo dando espaço à adoção da teoria da agência, que cada vez mais tem incorporado o plano de ação e impregnado a cultura empresarial reflexiva[i].

É fato que o acionista estabelece relacionamento com os administradores, mas como harmonizar esse relacionamento ao ponto de prevalecer os interesses do acionista e da companhia em detrimento dos interesses do administrador?

Esse é o ponto. A esse conflito, pretende-se dar um tratamento a partir dos contratos ou pactos ancorados na teoria da agência.

Antes da análise do contrato propriamente dito é preciso perceber que de fato a relação entre o principal e o agente é conflituosa e não convergente em muitos aspectos, pois o executivo/agente possui a tendência de projetar a empresa no curto prazo, com diretrizes defensivas para o benefício próprio, pois deseja dar resultados com brevidade, mesmo que com soluções periféricas, que no longo prazo não terão sustentação.  

Nas palavras de John Kenneth Galbraith: “é preciso admitir – a evidência tem sua verdade – que o poder, na grande empresa moderna, está na mão dos executivos. O Conselho de Administração é uma entidade adorável, que reúne com indulgência e respeito fraternal, porém inteiramente subordinado ao poder real dos administradores. A relação parece, de certa forma, a que existe entre quem recebe um título honorário e um membro da instituição universitária”[ii]

No contexto da forte crítica de Galbraith quanto ao império dos administradores em detrimento dos acionistas, cabe refletir sobre a teoria da agência, por meio da qual é possível analisar os conflitos e custos resultantes da separação entre propriedade e controle de capital. É a relação entre os participantes de um sistema que passa a interessar, especialmente no tipo de sociedade aqui pautada, onde a propriedade e controle são destinados a pessoas distintas, o que pode resultar em conflitos de interesses entre esses indivíduos,[iii] uma decorrência lógica da natureza humana, no sentido de autoafirmação e sobrevivência.

Jensen e Meckling, citados por Nassif e Souza, desenvolveram a teoria tendo por base um sistema de compensação, no sentido de que o ator principal, aqui, no caso, o acionista, criará incentivos e motivações para que o agente se conduza de acordo com os interesses dele (acionista). É da necessidade da regulação deste vínculo que emerge o contrato, especialmente nas grandes corporações, onde a propriedade pode estar diluída em um número enorme de acionistas, em cuja dispersão, quem controla efetivamente a empresa é a administração[iv]

O conteúdo de fundo envolve gestão, controladoria, administração e governança, sob a âncora do direito, diante da necessidade do estabelecimento de regras, pois nenhum alinhamento será perene ou vinculativo sem o estabelecimento de um contrato, sem a criação de uma estrutura jurídica eficiente, capaz de dar vazão aos conflitos sem arranhar a imagem e os destinos da empresa segundo os interesses dos controladores do capital.

Como visto, o tema adere ao caráter multidisciplinar. A governança corporativa é tratada como um sistema pelo qual as empresas são dirigidas, monitoradas e incentivadas, pressupondo a coexistência de princípios básicos, destacando-se a transparência, a equidade, a prestação de contas (accountability) e a responsabilidade corporativa[v].  

Deste modo, pressupondo o ambiente de informações assimétricas, a governança corporativa e seus princípios em plena aplicação, sem descuidar do contrato e do emprego da análise econômica do direito, tendem a superar os conflitos de agência, bem como reduzir os custos de transação, aqui entendidos como custos de agência.

O contrato de agência (não confundir com agência/distribuição) pressupõe a existência de um delegante e um delegado, um principal e um agente, cujo entrelace é o vínculo a cuidar e regular. Esse cuidado tem repercussão, inclusive, no controle da companhia, pois o poder de controle precisa ser exercido para permanecer hígido, não bastando ao acionista ser detentor de ações que lhe assegurem de modo permanente a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores, havendo necessidade de exercício, ou seja, de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia, nos termos do que disciplina o artigo 116 da LSA.

É certo que não existe poder passivo, havendo necessidade de utilização do poder, de modo permanente, pois o poder de controle é avaliado pela marca pessoal do acionista na condução dos negócios e dos rumos da sociedade[vi].

A sociedade anônima de capital aberto, com grande volume de negociações em bolsa, é a mais dependente de um bem elaborado contrato de agência, para que os  interesses individuais do administrador não se sobreponham aos interesses sociais, mas tal estratégia não se limita às grandes corporações, sendo plenamente viável nas organizações menores e no dia-a-dia das relações do empresário com os executivos vinculados à gestão. 

Conclui-se, assim, que o uso da teoria da agência em suas máximas, ao lado e com o apoio da teoria dos jogos, exploradas a partir de um sistema de compensações e incentivos, internalizados no âmbito da governança corporativa e do pacto de agência, darão ao administrador ou executivo uma rica fonte de dados para a tomada de decisão de acordo e em conformidade com os interesses do principal, no caso, os donos do capital, evitando ou tratando preventivamente os previsíveis conflitos.

 

[i] O autor do presente ensaio, ao utilizar a expressão, “cultura empresaria reflexiva”, teve em mente a descrição suscinta do elemento “reflexão” como norteador necessário e obrigatório da cultura empresarial, esta, não raras vezes, diluída nas complexidades contrárias ao pensamento reflexivo. Ou seja: a cultural empresarial ideal, neste ponto de vista, é aquela que necessariamente reflete sobre si mesma.  

[ii] GALBRAITH, John Kenneth. A economia das fraudes inocentes _ verdades para o nosso tempo. Tradução de Paulo Anthero Soares Barbosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 80.

“Disso decorre uma fraude mais transparente e não de todo danosa: a tentativa de dar aos proprietários, acionistas, cotistas, investidores, como são diversamente nomeados, um aparente papel na empresa (...). Essa fraude tem assumido aspectos cerimoniais. Um deles é o Conselho de Administração escolhido pelos próprios executivos e a eles inteiramente submisso, mas ouvido como a voz dos acionistas. Isso inclui homens e a indispensável presença de uma ou duas mulheres, que necessitam apenas de um conhecimento passageiro da empresa; de modo geral se pode confiar na sua aquiescência. Por um jetom e uma ou outra refeição, os membros do Conselho são de tempos em tempos informados pelos administradores o que já foi decidido ou sobre o que já é sabido. A aprovação é certa, inclusive quanto à remuneração dos administradores, estabelecida por eles mesmos e que pode ser, é óbvio, generosa (GALBRAITH, obra citada, p. 44). 

[iii] ARRUDA, Giovana Silva de. MADRUGA, Sergio Rossi e FREITAS JUNIOR, Ney Izaguirry de. A governança corporativa e a teoria da agência em consonância com a controladoria. Citando MENDES, Andréa Paula Segatto. <https://periodicos.ufsm.br/reaufsm/article/viewFile/570/430>. Acesso em 28/02/2018.

[iv] NASSIF, Elaina e SOUZA, Crisomar Lobo de. Conflitos de agência e governança corporativa. CAD. Vol. 7, n. 1. Jan – Dez. 2013. p. 1-2. file:///C:/Users/joaocarlos/Downloads/9496-73555-1-PB.pdf. Acesso em 28/02/2018.

[v] Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC: Disponível em <http://www.ibgc.org.br/index.php/governanca/governanca-corporativa>. Acesso em: 07/03/2018.

[vi] BERTOLDI, Marcelo M e RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 320.

 

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