A chama de uma vela e a filosofia bachalardiana

05/02/2024

A chama de uma vela é um dos livros de filosofia mais poéticos já escritos por filósofos da tradição ocidental. Gaston Bachelard se debruça sobre a chama. A chama de uma vela. Qual a mensagem disparada pelo autor? Por que admirar isso? Qual o simbolismo do fogo representado na prosa filosófica do pensador francês?

Escrito em 1961, o livro a chama de uma vela acende algo em nós: o desejo pela contemplação. A necessidade do olhar reflexivo. O homem-acelerado brotou no nosso mundo pós-moderno e, agora, olhar a chama de uma vela parece ter ficado apenas nas memórias escritas de quem se atreveu a admirar o fogo. A chama.

A edição que tenho em mãos é do ano do meu nascimento. Ou seja, de 1989. O pensador francês, oriundo da região de Champagne, escreveu o seu pequeno tratado sobre a chama em 1961, um ano apenas antes de falecer. Inclusive, foi o último livro que ele escreveu. A chama de uma vela é um livro que o leitor nunca consegue esquecer em vida.

Além de filósofo, Bachelard também era químico e poeta. A prosa poética do autor é diferente de tudo que se tem contato na vida. Ele transcende em criatividade, imaginação e reflexão. O pensador fala com a chama e a chama fala com ele. Trata-se de uma dialética do fogo.

La flamme d'une chandelle, no original, desperta o indivíduo para a busca de si. Quando sonhamos estamos buscando a si mesmos. E a chama faz isso. Ela nos faz sonhar. Nos leva a lugares distantes. O fogo é infinito. Não podemos esquecer disso. Os sonhos também não têm finitude. É por isso que sonhamos. Eles nos permitem a eternidade.

Na filosofia Bachalardiana, o sujeito acende a vela. E a vela ascende o sujeito. Trata-se de uma relação em que a chama tem um caráter ascencional. A filosofia do fogo transforma o indivíduo. Aliás, temos uma relação ancestral com o fogo. Desde os tempos mais distantes, nós usamos esse elemento para a defesa, a caça, para cozinhar os alimentos etc.

O fogo é sagrado para o indivíduo. É um elemento da vida humana sem o qual a vida não existiria. Já o conhecimento dos pensadores foi possível graças à luz da vela. Ao fogo da chama. O livro é a forma pela qual os filósofos entendem/explicam o mundo. A filosofia é luz. É luz que emana da vela. O livro de Bachelard é um exemplo de como as fantasias de um pensador o elevam tal como a verticalidade de uma chama.

O nosso autor, usando uma expresão de Paracelso, acreditava que a meditação diante de uma vela, era uma exaltação de dois mundos[1]. Isso me lembra uma obra de arte chamada Filósofo em Meditação, de Rembrandt. Ela está no museu do Louvre em Paris. De um lado temos um filósofo meditando (mundo das ideias). Do outro lado um sujeito manusenado algo no fogo (mundo real).

A vela ilumina um livro. Um livro ilumina o mundo. A força de uma chama, embora pareça pequena, é capaz de jogar luzes sobre o mundo. Bachelard considerava a vela a companheira do trabalho solitário[2]. Hoje não olhamos mais a luz da vela, mas sim para a luz da tela (celulares, tablets, computadores etc.). Essa é a nova força motriz da distração humana.

Todo sonhador de chama eleva seu espírito em direção ao ponto mais alto[3]. A verticalidade da chama representa o ápice do sonho. O fogo arde, bem como o desejo por aquilo que almejamos queima dentro de nós. É essa combustão de vontade que nos faz buscar o que tanto desejamos. Uma potência de fogo.

Para o nosso filósofo da chama, a página em branco é um grande deserto a ser atravessado, jamais atravessado. Ele pergunta: Essa página branca que continua branca a cada vigília não é o grande sinal de uma solidão sem fim recomeçada?[4]. O sonhador tem como companhia a lâmpada. Mas a página em branco é um sinal de solidão. A lâmpada mostra a solidão que existe na mesa de quem trabalha com ideias.

Bachelard tinha a sua mesa de existência, a página em branco era colocada sobre a mesa na justa distância da sua lâmpada.[5] Os livros nascem na solidão, a partir dos sonhos, das ideias, das luzes de uma lâmpada. Escrevo este artigo na minha mesa de germinar ideias. Sob a luz de uma lâmpada. Devemos muito para os pensadores que se debruçaram sobre a chama de uma vela.

 

Notas e referências

BACHELARD, Gaston. A chama de uma vela. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

[1] BACHELARD, Gaston. A chama de uma vela, p. 31.

[2] BACHELARD, Gaston. A chama de uma vela, p. 58.

[3] BACHELARD, Gaston. A chama de uma vela, p. 62.

[4] BACHELARD, Gaston. A chama de uma vela, p. 109.

[5] BACHELARD, Gaston. A chama de uma vela, p. 111.

 

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