A CELAC E A COMUNIDADE LATINOAMERICANA DE NAÇÕES

28/01/2023

Coluna Por Supuesto

A Constituição Federal de 1988, no parágrafo único do seu artigo 4º, dentro do Título dos Princípios Fundamentais e, mais precisamente, ao concluir os postulados que orientam as relações internacionais, expõe a diretriz da integração. Expressou o constituinte com meridiana clareza a intenção de que o Estado brasileiro busque a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações. Vale dizer que o constituinte brasileiro não está sozinho nesta intenção.

Com efeito, quem mergulha no Constitucionalismo regional encontra, por exemplo, que a Constituição colombiana de 1991, no seu artigo 9º, expressa:

“(...) la política exterior de Colombia se orientará hacia la integración latinoamericana y del Caribe”.

Por sua vez, o Preâmbulo da Constituição Equatoriana, promulgada no 2008, estabelece que é decisão constitucional construir

“(...) un país democrático, comprometido con la integración latinoamericana – sueño de Bolívar y Alfaro -, la paz y la solidaridad con todos los pueblos de la tierra (…)”.

 Igualmente, a Constituição boliviana de 2009 determina, no artigo 256, que:

“Las relaciones internacionales (…) responden a los fines del Estado en función de la soberanía y de los intereses del pueblo. II. La negociación, suscripción y ratificación de tratados internacionales se regirá por los principios de:  1. Independencia e igualdad entre los estados, no intervención en asuntos internos y solución pacífica de los conflictos. 2. Rechazo y condena a toda forma de dictadura, colonialismo, neocolonialismo e imperialismo. 3. Defensa y promoción de los derechos humanos, económicos, sociales, culturales y ambientales, con repudio a toda forma de racismo y discriminación (…)”.

Como se vê a integração de uma comunidade latino-americana, em vários âmbitos, constitui um fim constitucional. Isso implica o desenvolvimento de esforços, no marco da política externa, para estabelecer as bases dessa integração que não pode ser, como alguns tem pretendido, algo artificial, sujeito a pretensões hegemônicas dentro do marco da estrutura de poder que define os rumos internacionais senão pelo contrário, fortemente alicerçada na soberania, na autodeterminação, na paz regional e no desenvolvimento dos povos. 

E parece-nos que a isso deveriam conduzir as decisões tomadas neste último 24 de janeiro em Buenos Aires na reunião de Chefes de Estado e de governo da CELAC, a Comunidade de Estados de América Latina e do Caribe. Frise-se que a integração tem tudo o respaldo constitucional, mas não para algo meramente formal. A pretensão dos constituintes é avançar à solução de problemas que historicamente afetam os povos, como afirmar a democracia, abrindo canais sólidos de participação popular e de cidadania, bem como estabelecendo políticas públicas coordenadas para que prevaleçam os direitos humanos, superando as sequelas de uma tradição de integração na qual se funciona como uma espécie de clube no qual se discutem os interesses de grupos detentores na prática do poder econômico e político.

Nesta oportunidade, junto à CELAC, nascida no México no ano 2010, tomou corpo a CELAC -SOCIAL, um encontro de setores populares que encarnam aspirações importantes, muitas das quais são direitos sociais consagrados nas Cartas, derivados inclusive dos tempos de Weimar em 1919, e que requerem efetividade urgente.

Que no cenário da América Latina chefes de Estado e de governo, mas também povos, unifiquem esforços para avançar afirmando direitos, especialmente numa etapa de reconstrução da democracia e no meio da crise estrutural sistémica que tem conduzido ao empobrecimento acelerado da população mundial e ao enriquecimento de uma minoria, constitui um passo importante para o cumprimento da Constituição como instrumento popular de batalha, por sobre a qual não pode haver uma atitude contemplativa, como adverte Jorge Miranda desde terras lusitanas.

Vale lembrar que segundo o Relatório da OXFAM no Foro paralelo de Davos, também realizado recentemente, depois da pandemia, o 1% dos mais ricos do mundo possuem 2/3 partes de toda a riqueza gerada desde o 2022 - que equivalem a 42 trilhões de dólares - e obtiveram 6 vezes mais recursos que o 90% da população global. Isso quer dizer que pela primer vez em 30 anos a riqueza e a pobreza extrema cresceram simultaneamente, enquanto o capital especulativa atravessa sem pudores os setores energético, de sanidade e meio ambiente.   

Também convêm notar que a CELAC Social incorpora elementos que são essenciais para o Constitucionalismo da América Latina, como a plurinacionalidade, o enfoque de gênero e a dívida histórica com os direitos humanos, ameaçados especialmente pela força que cobra em nosso meio uma concepção de traços fascistóides que, para infelicidade da Constituição,  tem feito presença ostensiva com uma militância capaz de desenvolver atentados graves contra o Estado de Direito, como aconteceu neste janeiro no Brasil.

Numa visão muito acertada, as conclusões da CELAC Social dizem claramente que:

“la democracia en América Latina y el Caribe está amenazada por nuevas formas de desestabilización y quiebres institucionales, a partir de la voluntad de actores domésticos y ajenos a la región de instalar democracias tuteladas funcionales a intereses anti-populares. • Que la unidad de nuestra región debe construirse desde el pie, con la participación protagónica de las fuerzas políticas y las organizaciones y movimientos sociales”.

 Em sentido propositivo, a CELAC social conclui que deve ser promovida:

“una integración regional que fortalezca la independencia económica de América Latina y el Caribe, disminuyendo los condicionantes económicos externos a partir de una inserción internacional y acuerdos regionales que creen y fortalezcan capacidades productivas y tecnológicas propias, en pos de una reducción de las brechas de desarrollo con los países centrales. Demandamos que se desande el sendero de acuerdos de libre comercio y tratados bilaterales de inversión que han sido perjudiciales para nuestros países.

Finalmente, uma questão interessante é a proposta de elaboração e adoção da Carta Trabalhista Latino-americana, na perspectiva de construir uma base em matéria de direitos para os trabalhadores e trabalhadoras e que na qualidade de instrumento jurídico internacional obrigue ao Estados a um compromisso com o respeito à “proibição de retrocesso” que deve caracterizar os direitos fundamentais, impedindo reformas legislativas que atentem contra as conquistas laborais. Isto requer a criação de um grupo de trabalho técnico, que poderia também abordar a questão dos sistemas de aposentadorias, seguridade social e saúde do trabalho.

O Constitucionalismo latino-americano parece retomar a trilha dos avanços, porque os povos passam a tomar a iniciativa e ela a que origina as mudanças e permite, por supuesto, sentir um novo tempo no qual, como diria Bobbio, o mais importante é que se efetivem os direitos. 

 

 

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