A arte de não julgar II

17/06/2018

Semana passada, escrevi algumas linhas sobre a arte de não julgar, ou seja, a respeito da dificuldade de não se proceder a nenhum julgamento daquela/e a quem prestamos serviços como Defensoras/es Públicas/os. A intenção daquele primeiro texto era demonstrar a relevância de afastar valores pessoais e aspectos morais de qualquer espécie de defesa realizada.

Mas é preciso ir além. É necessário ter empatia e exercer alteridade, como já mencionei, e ora pretendo conferir mais atenção ao tema. Isso, porque um afastamento do contexto em que se insere a/o assistida/o só pode levar a uma relação verticalizada, isto é, uma relação com conotação hierárquica, longe do que deve ser a atuação defensorial.

O fato de vivermos muitas vezes – e com frequência, aliás – realidades distintas não pode impedir que nos coloquemos no lugar da/o usuária/o do serviço a ser prestado, uma vez que apenas assim será possível compreender as angústias e os anseios dessas pessoas. E isso só pode ocorrer se nos conectarmos. A imperiosidade de não julgarmos não pode representar um distanciamento da situação a ponto de significar a mesma retirada do protagonismo da/o assistida/o a que se procede quando impomos os nossos próprios valores. A pessoa em situação de vulnerabilidade(s) deve perceber, a partir do tratamento que lhe é conferido, que, na relação com a/o Defensor/a Pública/o, é protagonista e pode dar tanto quanto receber.

Esse é um dos grandes diferenciais de se defensorar: a criação de uma verdadeira conexão com a pessoa (ou mesmo com o grupo) em situação de vulnerabilidade(s), em um plano horizontal[1]. Essa conexão pressupõe, pois, respeito e aprendizado mútuos, parafraseando Eduardo Galeando, ao diferenciar “solidariedade” de “caridade”.

Aliás, essa é uma questão que distingue a instituição dos cronópios em relação ao Ministério Público: este costuma se valer da imagem de representante da sociedade, especialmente perante o Poder Judiciário. No entanto, não tem de fato vínculos (ao menos, não relevantes) com a sociedade, demonstrando com muita frequência uma postura paternalista[2].

Não é fácil realizar uma aproximação isenta de julgamentos. Nem mesmo em nossas relações pessoais, que mantemos com aqueles que nos são mais queridos, nos privamos de aplicar nossos valores, ainda que sem externar tais pensamentos. Todavia, assim como é imprescindível exercitar a arte de não julgar, é indispensável criar conexões – horizontais, evidentemente – com a/o assistida/o pela Defensoria Pública, permitindo que dessa união provenham os resultados mais benéficos à pessoa em situação de vulnerabilidade(s).

Se não há dignidade com a realização de julgamentos e a imposição de valores, esta também não pode existir com o afastamento em relação à pessoa atendida. Para se efetivar direitos, é preciso ter consciência de que se pode receber tanto quanto se tem a oferecer e que a posição que cada um/a ocupa em um contexto jurídico não pode hierarquizar a relação.

Notas e Referências

[1] http://emporiododireito.com.br/leitura/jesus-primeiro-defensor-publico-e-inspiracao-para-o-defensorar

[2] http://justificando.cartacapital.com.br/2018/05/03/o-papel-da-defensoria-publica-no-acesso-a-justica-para-movimentos-sociais/

 

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