A advocacia por meio de robôs: como conciliar a informatização com a ética da profissão

10/02/2019

 

O Brasil possui cerca de 80 milhões de processos judiciais em andamento. Isso significa que a cada 3 pessoas, uma delas está em litígio. Para conduzir esses processos, existem mais de 1 milhão de advogados ativos no país; resultado das mais de 1.120 instituições que lecionam Direito por aqui.

No entanto, a concorrência na profissão não se restringe à chegada de novos profissionais. A cada dia surgem no mercado opções para a automatização dos serviços jurídicos; situação essa impulsionada pelos processos eletrônicos. Hoje, 79,7% dos processos judiciais tramitam de forma eletrônica (virtual).

Aliás, o Supremo Tribunal Federal (STF), em parceria com a Universidade de Brasília, lançou um sistema para ler todos os recursos extraordinários que chegam à corte. Batizado de Victor, o softwaredeverá ajudar na organização das ações.

Mas não se discute aqui situações corriqueiras, como as já tradicionais varreduras de publicações, tabulação de dados, arquivo de documentos, organização de agendas, geração de relatórios, realização de protocolos, pesquisas jurisprudenciais, busca por novos processos ou extração de cópias. A inteligência artificial já vem sendo tabulada para a elaboração de petições, inclusive peças mais complexas, como contestações ou recursos. A simples indicação (ou mesmo a leitura automática) de certas palavras-chave permitem a construção de importantes peças processuais. Certamente, tais ferramentas aumentam consideravelmente a produtividade do profissional e permitem a cobrança de honorários ainda mais enxutos.

No entanto, sabe-se que as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas são atividades privativas de advogados. Neste sentido, ainda que inevitável, em que momento a tecnologia estará violando os preceitos éticos e legais da profissão?

 

A PROFISSÃO DE ADVOGADO

A profissão de advogado vem prevista na Constituição, que anuncia que é indispensável à administração da justiça. Postulação em juízo é atividade privativa de advogado, assim como consultoria, assessoria e direção jurídicas.  A Lei nº 8.906/1994, no seu artigo 34, inciso V, evidencia que constitui infração disciplinar assinar qualquer escrito destinado a processo judicial ou para fim extrajudicial que não tenha feito, ou em que não tenha colaborado.

Ademais, o Código de Ética prevê, no seu artigo 2º, parágrafo único, inciso I, que o advogado deve preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade. Preceitua, igualmente, que o exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização.

De tal maneira, a prestação de serviços advocatícios não se caracteriza como relação de consumo, mas sim um contrato regulado por lei específica (Lei 8.906/1994). Trata-se de trabalho singular e específico; e a singularidade está na pessoa do prestador e não no serviço que se lhe propõe.

O advogado não segue fórmulas prontas nem opera sob moldes ou prontuários uniformes. Exerce atividade intelectual única, cuja singularidade retrata uma atividade personalíssima, o que inviabiliza uma comparação de modo objetivo. Exige que a atividade seja pensada, elaborada e executada pelo próprio advogado.

 

A POSIÇÃO DA OAB

A utilização da tecnologia no mundo jurídico não é de hoje; é uma realidade. No exterior a situação está ainda mais avançada. No Banco J.P. Morgan (EUA), uma ferramenta chamada Contract Intelligenceestá analisando acordos financeiros, assumindo a posição de equipes jurídicas ocupadas por milhares de horas. Certamente, tais ferramentas já rodeiam os profissionais de Direito no País, como já noticiado.

Neste sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já se manifestou que as inovações tecnológicas com vistas a auxiliar o advogado no exercício de suas funções não encontram óbices legais e éticos.

Em julgamento do Tribunal de Ética da OAB/SP (Proc. E-4.880/2017 - julgado em 19/10/2017), decidiu-se que quando a tecnologia se presta a auxiliar os advogados a serem mais eficientes em suas atividades profissionais, sem suprimir o poder decisório e as responsabilidades do profissional e, neste exclusivo sentido, ainda que mais sofisticada, a plataforma junta-se a tantas outras soluções ou ferramentas utilizadas para o mesmo fim, cuja falta nos dias de hoje seria impensável.

Todavia, afronta os preceitos legais éticos a situação de determinadas iniciativas tecnológicas que, a pretexto de darem suporte às atividades advocatícias, em realidade, prestam-se a acobertar mecanismos para mercantilização da profissão advocatícia, ou mesmo servem como veículo de facilitação à captação indevida de clientela.

Perceba-se que a OAB ainda não enfrentou a problemática em si, mostrando-se cética com relação à possibilidade da inteligência artificial efetivamente conduzir um processo. Ocorre que, na verdade, trata-se de situação já presente e que não pode ser ignorada. Por isso caminha de forma acertada quando criou, em julho de 2018, uma coordenação de inteligência artificial a fim de regulamentar o uso de robôs na advocacia. Resta aguardar, com ansiedade, quais serão os limites e possibilidades de atuação que a regulamentação da OAB trará.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Justice // Foto de:Becky Mayhew // Sem alterações

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