Os estoicos, lá na Grécia, 24 séculos passados de história, defendiam que tudo no mundo decorria de determinismo cósmico. A felicidade possível estava em se saber situado em conformidade com a determinação do Universo.
Cada qual que entendesse as regras gerais cósmicas e se aceitasse conformado no meio delas. Seja: sou o que sou, estou porque estou. Tudo é porque é e está porque está. Eu, passivo, contingenciado por imbatível conspiração.
Os cristãos, via Saulo de Tarso, tornado São Paulo, único apóstolo de Cristo que não era judeu, foi pregar na Grécia. Lá, foi contagiado pela compreensão estoica do mundo; adotou-a; sobre ela assentou o deus controlador do judaísmo.
O cristianismo primitivo era isso: conformidade. A resignação, contudo, já não era mais ao Universo, mas à vontade de uma divindade vigilante e severa que machucaria a quem não o obedecesse e amasse acima de todas as coisas.
Depois, os teólogos fundadores da igreja católica apropriaram-se de Aristóteles, o filósofo mais marcante da antiguidade, com sofisticada influência até nossos dias. Ele pressupunha uma força propulsora do Universo.
Aristóteles não defendia a existência de um deus criador, mas de uma energia inicial que possibilitaria os decorrentes acontecimentos. Os católicos, já estabelecidos como poder mundano, cravaram seu deus na hipótese aristotélica.
Eis o cristianismo: disposição universal (estoica) posta; um controlador geral de todas os acontecimentos (“releitura” de Aristóteles), regramento severo e vigilância minudente sobre todo o comportamento (judaísmo).
Um imperador romano, Constantino, adotou a teoria. Corria o século 3. No século 3 o imperador Constantino impôs essa ordem ao mundo ocidental. O Ocidente tornou-se monointerpretado. A realidade da vida tornou-se, pois, sólida.
Não se mexia no mundo: respeito à obra perfeita do deus cristão. Perenidade de costumes: a hierarquia católica espraiada numa organicidade militar ideologizada ditava as poucas licenças e as muitas interdições.
A sentinela capilar do cumprimento do código de conduta católico era a família. A família ocidental adotou a ideologia cristã tabelada pelo céu e pelo inferno. O modo de pensar religioso era feito cumprir pela disciplina familiar.
Ao patriarca foi dado poder de vida e morte sobre a família. Seu papel foi fundamental para a realização do cristianismo. Ordenado ideologicamente pela igreja católica, o patriarca fincou as estruturas da vida sólida do Ocidente.
O Renascimento começou a questionar as coisas. Pessoas passaram a se perguntar sobre a (i)racionalidade circulante. As navegações, algumas descobertas, um pouco de ciência, esses episódios traziam novas perspectivas.
Um momento trágico teve enorme efeito simbólico. Em 1755, na manhã de 1o de Novembro, dia católico de Todos os Santos, Lisboa rezava. Igrejas lotadas de não caber mais. Então, devastação: terremoto, tsunami, incêndios.
Ou o deus em que criam seria sádico, ou seria masoquismo entregar a vida a esse deus perverso? Como poderia um deus, no dia dos seus santos, matar seus crentes? Em pleno momento de piedosa oração?
Não só a gente comum foi impactada. A filosofia parou para pensar. A teologia, inclusive, fez indagações ao seu inspirador. O século 18, marcado pela destruição do devoto Reino de Portugal, desembocou no Iluminismo.
Na ordem burguesa inaugurada pela Revolução Francesa, a iniciativa individual vale mais que orquestração geral da crendice. O gozo das boas coisas da terra não era mais cingido à nobreza e ao clero.
Uns podendo muito, outros podendo nada, todos foram à luta por um naco do que o dinheiro poderia comprar. O mundo sólido garantido pela compreensão religiosa do estabelecido principiou a ruir. Agora, quem tinha podia.
Os porta-vozes da divindade foram substituídos pelos donos do capital. Os shoppings centers estão mais valorizados do que as catedrais. O patriarca, chefe da celula mater da Sociedade, manda tanto quanto o dinheiro que provê.
A racionalidade do capital não tem preferências, tem interesses, quer fazer negócios de resultados imediatos. Nessa lógica cabem, com mais ou menos dificuldades, cores, gêneros, idades. Cabem competidores em geral.
A iniciativa privada liquidificou a solidez das coisas. Nas brechas disso entraram as mulheres, para fazer a convivência mais igual. Começaram na Primeira; afirmaram-se na Segunda Guerra: a produção militar precisou do labor feminino.
Os homens em luta, as mulheres ganharam emprego e dinheiro. Uma nesga de liberdade. Nunca mais voltaram à submissão. Lutaram por direitos, por consolidar direitos, por ampliar direitos. Ocupam farto espaço social.
O feminismo propõe outro modo de vida. Isso é do interesse dos homens: igualdade. Só estúpidos não veem que a vida fica melhor com iguais direitos e divisão de obrigações. As mulheres estão fazendo a sua parte.
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