Luto – Como Mulher

14/05/2016

Por Fernanda Martins - 14/05/2016

Para aqueles que me acompanham pela coluna aos sábados, não há a necessidade de saber de minha condição acadêmica, aquela disposta antes mesmo do enfrentamento via criminologia e pronta a ressoar os marcos históricos de uma criminologia crítica, sobretudo, colocar-me como uma militante contínua do feminismo.

As quintas, no Empório do Direito, também abordo problematizações constantes, sempre descontínuas e constantemente desconstruídas, sobre os feminismos e o papel da mulher na sociedade brasileira.

Hoje uso desse espaço, talvez meu espaço mais particular nesse espaço tão público, até então constituído de forma a repensar meus escritos sobre a (des)legitimação do controle penal, para convidar a mais um traço feminista sucinto, porém de radical importância.

Ponho-me aqui a dizer, antes de mais nada, que apesar das contínuas elaborações e alcances nessa batalha travada há tempos e em incontáveis espaços, estamos cada vez mais certas de que, como mulheres, temos muita luta pela frente.

Estamos exaustas – jamais entregues – de nos des-dobrar para sermos, para além do mero reconhecimento, respeitadas pelo que produzimos, falamos, sentimos, pelo que somos – como sujeitos distintos do indivíduo-masculino-burguês, marco central da construção daquilo que deve o ser-sujeito do e no direito. Como mulheres, reiteradamente somos subjugadas aos papeis de coadjuvantes na ficção e na realidade. Somos referidas somente como esposas, ex-esposas, filhas e/ou adoradas por sermos continuamente objetos de felicidade de homens – nem sempre estúpidos, mas sempre atravessados pela lógica patriarcal.

Hoje vivemos uma realidade em que sequer somos contabilizadas como Ministras e em que compomos palestras para “trazermos a sensibilidade” e “abrilhantar” espaços essencialmente machistas: precisamos lembrar novamente os Congressos de Direito? Somos postas no espaço público com os mesmos adágios da subordinação privada, mesmo que nem se perceba a complexidade da oposição entre público e privado. Sofremos abortos discursivos mortíferos públicos, nem sempre implícitos. Caladas pelo medo, recolhemo-nos pela imposição da retaliação dos que ditam e dispõem até mesmo o cenário daquilo que se fala. Vivemos como mães solteiras e ainda suportamos o louvor que se faz aos homens que cuidam dos filhos como se mães fossem. Não somos vítimas, que fique claro, mas estamos constantemente vulneráveis à violência estrutural de uma sociedade formada – desde sua base – no homem como única hipótese central de subjetividade legítima.

Antes que se regorgite qualquer tentativa patética de reduzir tais enfrentamentos a meros “mimimi” – até porque essa expressão diretamente nada mais quer do que nos silenciar e nos posicionar novamente como histéricas, sempre insatisfeitas. Violentar nossas reivindicações e transformá-las em supérfluas reclamações é a estratégia que jamais cederemos.

Se hoje, na nefasta conjuntura de um golpismo nada disfarçado, por jamais Temer, lutamos contra aos retrocessos em nossas mais básicas conquistas – ínfimas diante do revolucionário por vir, mas absolutamente necessárias pela resistência diária frente a tanta dor e sofrimento entre mulheres – resistimos, porque mesmo cansadas, em conjunto, mais somos fortes. Somos na pluralidade unidas por um fim comum, o qual é jamais admitir que retirem nossas vozes, por nunca mais desde sempre compactuar com a opressão e por compreender que não importa o quanto tentem, por maiores que sejam os esforços nesse sentido, não vão nos silenciar e nos encolher. A luta é nossa e lutamos como mulher, porque aqui, luto é verbo. Urgência dos dias que nos acometem!


Fernanda Martins. Fernanda Martins é Mestre em Teoria, Filosofia e História do Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Professora substituta na Universidade Federal de Santa Catarina e professora na Universidade do Vale do Itajaí. E-mail: fernanda.ma@gmail.com


Imagem Ilustrativa do Post: Fotografia de grafite realizado por Panmela Castro. Flickr Anarkia Boladona.
O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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