Condômino devedor costumaz pode ser obrigado a pagar multa de até o quíntuplo da taxa condominial

19/01/2016

Por Patrícia Cordeiro - 19/01/2016

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, o condômino devedor costumaz pode ser condenado a pagar multa de até o quíntuplo do valor da taxa condominial, e ainda a multa moratória de 2% e correção monetária de 1%.  Contudo, essa penalidade deverá ser aprovada previamente em assembleia, conforme afirmou o STJ: “O condômino que deixar de adimplir reiteradamente a importância devida a título de cotas condominiais poderá, desde que aprovada a sanção em assembleia por deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos, ser obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração”.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, firmou esse entendimento ao julgar um recurso interposto por uma construtora, devedora costumaz desde 2002, com atrasos nos pagamentos, que ultrapassam dois anos. A construtora foi condenada a pagar as dívidas condominiais, com multa moratória e correção monetária, além da penalidade de 10% sobre o valor devido.

A empresa alegou que dessa forma estaria sendo penalizada duplamente. Entretanto, não foi esse o entendimento do ministro relator Luis Felipe Salomão, que afirmou: “Uma coisa é a multa decorrente da execução tardia da obrigação, outra (juros moratórios) é o preço correspondente à privação do capital que deveria ser direcionado ao condomínio [...] A multa prevista no § 1º do art. 1.336 do CC/2002 detém natureza jurídica moratória, enquanto a penalidade pecuniária regulada pelo art. 1.337 tem caráter sancionatório, uma vez que, se for o caso, o condomínio pode exigir inclusive a apuração das perdas e danos”.

Confira abaixo a decisão na íntegra (os nomes das partes foram substituídos pelas iniciais).

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.247.020 - DF (2011/0069453-5)

RECORRENTE : G. O. C. E E. L.

ADVOGADO : A. L. D. C. R. E OUTRO(S)

RECORRIDO : C. D. E. B. T. C.

ADVOGADO : H. M. E OUTRO(S)

RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Condomínio do E. B. T. C. ajuizou ação em face do G.O. C. e E. Ltda. objetivando a cobrança de taxas condominiais ordinárias e extraordinárias não adimplidas pela parte ré.

O Juízo de piso julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar o réu ao pagamento das despesas condominiais indicadas na petição inicial e aquelas vencidas e não pagas no curso da lide, com os acréscimos de juros de mora, correção monetária e multa moratória de 2% (dois por cento), além dos ônus sucumbenciais. Em contrapartida, a sentença afastou a aplicação da multa de 10% (dez por cento) fixada em assembleia geral extraordinária, cobrada cumulativamente com a multa moratória de 2% (dois por cento).

Irresignados, ambas as partes interpuseram recurso de apelação, sendo que a Corte local não conheceu do recurso do réu por intempestividade e deu provimento à insurgência do autor para possibilitar a cobrança da penalidade de 10% (dez por cento) sobre o débito, cujo acórdão recebeu a seguinte ementa:

PROCESSO CIVIL E CIVIL. CONDOMÍNIO. ATRASOS REITERADOS DE PAGAMENTO DAS TAXAS CONDOMINIAIS. APLICAÇÃO DE PENA PECUNIÁRIA. ART. 1.337 DO CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE. A multa moratória prevista no art. 1.336 do Código Civil diverge daquela prevista no art. 1.337 do aludido codex. Nesse sentido, o art. 1.337 do CC é mais amplo do que o § 2º do art. 1.336, porque abrange todos os deveres do condômino perante o condomínio, previstos na lei, convenção ou regimento interno, inclusive o inadimplemento do pagamento da contribuição condominial do inciso I. Observa-se, portanto, que o parágrafo único do art. 1.337 regula a aplicação de pena agravada, quando a conduta ilícita, além de grave e reiterada, não só de caráter anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos. Realizada a assembléia geral, com o quórum específico e, uma vez aprovada a aplicação da penalidade prevista no citado art. 1.337 do CC, respeitados aos parâmetros ali expostos, a inobservância do pagamento regular das taxas condominiais enseja a aplicação da citada penalidade, sem que isso configure qualquer irregularidade ou afronta ao ordenamento civil. Recurso conhecido e provido.

Inconformado, o G. O. C. e E.L. interpõe recurso especial sustentando ofensa aos arts. 234, 236, 240, 241, 242 e 247, todos do Código de Processo Civil, e 1.336 e 1.337 do Código Civil.

Sustenta, inicialmente, a tempestividade do recurso de apelação ao argumento de que a "intimação da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido do autor, foi disponibilizada no DJE em 07/12/2009, considerando-se, nos termos doa dispositivo acima, intimada às partes no dia subsequente a publicação, dia 09/12/2009, tendo como último dia do prazo 23/12/2009, dentro do recesso forense, que teve seu início 20/12/2009 e término em 07/01/2010, data em que foi protocolado o recurso" (fl. 301).

Assevera que o § 1º art. 1.336, combinado com o seu inciso I, do Código Civil limita a multa moratória para os casos de inadimplência de despesas condominiais em até 2% (dois por cento) sobre o valor do débito.

Aduz que o § 2º do mesmo art. 1.336 do Código Civil somente prevê a possibilidade de aplicação de multa não superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, fixada no ato constitutivo ou na convenção, independentemente das perdas e danos, para o descumprimento dos demais deveres do condômino.

Destaca que "caso não fosse o entendimento, o legislador estaria aplicando ao condômino inadimplente duas penalidades pelo mesmo fato, o que acarretaria bis in idem, haja vista que ao débito principal já foi aplicado os juros e multa" (fl. 305).

Ao final, postula pelo provimento do presente recurso especial.

É o relatório.

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.247.020 - DF (2011/0069453-5)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : G. O. C. E E. L.

ADVOGADO : A. L. D. C. R. E OUTRO(S)

RECORRIDO : C. D. E. B. T. C.

ADVOGADO : H. M. E OUTRO(S)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CONDOMINIAL. DEVEDOR DE COTAS CONDOMINIAIS ORDINÁRIAS E EXTRAORDINÁRIAS. CONDÔMINO NOCIVO OU ANTISSOCIAL. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NOS ARTS. 1336, § 1º, E 1.337, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CONDUTA REITERADA E CONTUMAZ QUANTO AO INADIMPLEMENTO DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. De acordo com o art. 1.336, § 1º, do Código Civil, o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% (um por cento) ao mês e multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito.

2. O condômino que deixar de adimplir reiteradamente a importância devida a título de cotas condominiais poderá, desde que aprovada a sanção em assembleia por deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos, ser obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração.

3. A aplicação da sanção com base no art. 1.337, caput, do Código Civil exige que o condômino seja devedor reiterado e contumaz em relação ao pagamento dos débitos condominiais, não bastando o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos.

4. A multa prevista no § 1º do art. 1.336 do CC/2002 detém natureza jurídica moratória, enquanto a penalidade pecuniária regulada pelo art. 1.337 tem caráter sancionatório, uma vez que, se for o caso, o condomínio pode exigir inclusive a apuração das perdas e danos.

5. Recurso especial não provido.

VOTO O

SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. De início, afasto a alegada preliminar de tempestividade da apelação interposta na Corte local, haja vista que houve, em verdade, a perda do seu objeto.

Isso porque o apelante - ora recorrente e réu da demanda - somente postulou no mencionado recurso o reconhecimento da sucumbência recíproca diante da rejeição, pela sentença, do pedido de inclusão da penalidade pecuniária de 10% (dez por cento) na condenação.

Ocorre que, ao julgar o recurso da parte autora, o acórdão impugnado reformou essa parte da sentença para permitir a cobrança da sanção pecuniária, razão pela qual o réu saiu totalmente vencido na demanda.

3. Quanto à questão de fundo, cinge-se a controvérsia em definir a possibilidade de aplicação da penalidade pecuniária no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor do débito, cumulada com a multa moratória de 2% (dois por cento), para o caso de devedor contumaz de despesas condominiais, tendo por fundamento a regra inserida no art. 1.337 do Código Civil de 2002.

No ponto, a fim de bem delimitar a discussão, convém ressaltar que a parte ora recorrente não se insurge sobre regras procedimentais de aplicação da sanção pecuniária pela assembleia condominial, razão pela qual não será objeto apreciação nesta via especial.

Na parte que interessa, o aresto impugnado assim dispôs:

[...] A irresignação do apelante cinge-se na possibilidade ou não de aplicação conjunta aos encargos moratórios, da multa denominada pena pecuniária, no importe de 10% (dez por cento), com respaldo, inclusive no art. 1.337 do CC.

Examinando detidamente o que dos autos consta, tenho que assiste razão ao apelante.

A multa moratória prevista no art. 1.336 do CC, de fato diverge daquela prevista no art. 1.337 do aludido codex. [...]

Observa-se, portanto, que o parágrafo único do art. 1.337 regula a aplicação de pena agravada, quando a conduta ilícita, além de grave e reiterada, não só de caráter anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos. [...]

No caso dos autos, mostrou-se incontroverso que o apelado é devedor renitente das taxas condominiais.

De acordo com o asseverado pelo apelante, desde o ano de 2002 todos os pagamentos efetuados pelo apelado têm sido feitos via judicial, com atrasos que chegam a mais de 02 (dois) anos (fl. 167).

Observa-se, ainda, que a cobrança de tal penalidade também está calcada no regimento interno do condomínio apelante (art. 48), cuja assembléia geral atendeu ao quórum específico para tanto, de acordo com o afirmado à fl. 167 e não refutado pelo apelado.

O item 3, do mencionado artigo 48 prevê que o “condômino inadimplente reiterado, arcará com uma penalidade pecuniária de até 10% (dez por cento), cobrada 'pro rata die', calculada em 30 dias”.

Desse modo, sendo dever do condômino arcar com o pagamento regular das taxas condominiais, ordinárias e extraordinárias, a inobservância deste, de forma reiterada, como a que se percebe nos autos, poderá ensejar a aplicação da citada penalidade, sem que isso configure qualquer irregularidade ou mesmo afronta ao ordenamento civil.

Com a devida vênia, o defendido na r. sentença, de que o condomínio não mais poderia fixar penalidade acima do previsto no art. 1.336 § 1º, do CC, ou seja, 2% (dois por cento), para os casos de inadimplemento contumaz, após a entrada em vigor do novo ordenamento civil, não deve prosperar.

Ao contrário do afirmado na r. sentença, o art. 1.337 do citado codex prevê essa possibilidade, não podendo, ainda, olvidar tratar-se de preceito tido como cláusula aberta, que possibilita ao julgador alargar o entendimento ali previsto, a fim de ajustá-la aos preceitos que melhor se adéqüem ao condomínio.

A multa prevista no art. 1.336, portanto, é díspar daquela prevista no ulterior art. 1.337, cuja cobrança cumulada não redunda em duplicidade. ANTE O EXPOSTO, dou provimento ao recurso, para o fim de reformar a r. sentença e incluir, na condenação do réu, o pagamento da multa pecuniária, no importe de 10% (dez por cento).

4. De início, cumpre ressaltar que o autor/recorrido postulou o pagamento das cotas condominiais ordinárias do período compreendido entre março e setembro de 2007 e das taxas extraordinárias de maio a setembro de 2007, bem como as que se vencerem no curso da demanda, estando todas sob a égide do regramento do Código Civil de 2002.

A título histórico, a Lei n. 4.591/1964, que estabelecia as normas aplicáveis aos condomínios em edificações e às incorporações imobiliárias, em seu § 3º do art. 12, disciplinou que o condômino em débito ficaria sujeito ao pagamento de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês e multa de até 20% (vinte por cento) sobre o débito, conforme previsão na convenção condominial:

Art. 12. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.

§ 1º Salvo disposição em contrário na Convenção, a fixação da quota no rateio corresponderá à fração ideal de terreno de cada unidade.

§ 2º Cabe ao síndico arrecadar as contribuições competindo-lhe promover, por via executiva, a cobrança judicial das quotas atrasadas.

§ 3º O condômino que não pagar a sua contribuição no prazo fixado na Convenção fica sujeito ao juro moratório de 1% ao mês, e multa de até 20% sôbre o débito, que será atualizado, se o estipular a Convenção, com a aplicação dos índices de correção monetária levantados pelo Conselho Nacional de Economia, no caso da mora por período igual ou superior a seis meses. [original sem grifos]

Com o advento do Código Civil de 2002, que revogou os arts. 1º a 27 da Lei n. 4.591/1964, a matéria passou a ser regulada pelos arts. 1.331 a 1.358, cujo capítulo recebeu a nomenclatura de "Condomínio Edilício", inserido dentro do livro do "Do Direito das Coisas".

A par disso, o caput e os incisos do art. 1.336 do CC/2002, em rol meramente exemplificativo, explicita os deveres condominiais, podendo, assim, a respectiva convenção, estatuto ou regimento interno prever outras condutas permitidas e proibidas, positivas e/ou negativas, com o intuito de promover a boa convivência entre os moradores, in verbis :

1.336. São deveres do condômino:

I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)

II - não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;

III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;

IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

Por sua vez, os §§ 1º e 2º estabeleceram as penalidades para os casos de descumprimento das obrigações acima, conforme se observa dos dispositivos abaixo transcritos:

1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.

§ 2º O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembléia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.

Em suma, caso o condômino não cumpra com o dever de contribuir para as despesas do condomínio, adimplindo sua cota-parte dentro do prazo estipulado para vencimento, ficará obrigado a pagar juros moratórios convencionados ou, caso não previstos, será de 1% (um por cento) ao mês e multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito.

Todavia, o art. 1.337 do CC/2002 - cerne de discussão no presente apelo - cria a figura do "condômino nocivo" ou "condômino antissocial", utilizando-se de cláusula aberta em relação àquele que não cumpre reiteradamente com o seus deveres para com o condomínio, ipsis litteris:

Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.

Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.

Isso porque a convivência do homem em sociedade tem como exigência fundamental a estipulação de normas de conduta, com vista a uma convivência harmônica entre os seus integrantes.

Assim, como se percebe pela posição topográfica dos artigos acima invocados, o legislador definiu as sanções - juros, multa ou penalidade pecuniária - específicas para a inobservância das situações expressamente previstas nos incisos I a IV do art. 1.336 do CC/2002, abarcando a hipótese de falta de pagamento da cota condominial (inciso I).

No entanto, o caput do art. 1.337 do CC/2002 inovou ao permitir a aplicação de "multa" de até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais em face do condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres para com o condomínio, independente das perdas e danos que eventualmente venham a ser apurados.

De fato, para tais casos, determinou um quorum qualificado de 3/4 (três quartos) dos condôminos restantes.

Entretanto, a intenção legislativa foi a de coibir eventuais abusos e excessos eventualmente praticados por alguns condomínios, cujo permissivo legal somente deverá ser utilizado quando a conduta do comunheiro revelar efetiva gravidade.

5. Assim, como já afirmado anteriormente, a celeuma a ser definida é se a multa poderá ser fixada acima do patamar de 2% (dois por cento), considerando a hipótese do devedor reiterado de contribuições devidas ao condomínio, em conformidade com a regra do art. 1.337 do CC.

É bem verdade que, no tocante aos "juros moratórios", esta Corte Superior já se manifestou no sentido de que a convenção do condomínio pode prevê-los acima de 1% (um por cento) ao mês para o caso de inadimplemento das taxas condominiais, consoante acórdão proferido nos autos do Recurso Especial n. 1.002.525/DF:

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONFLITO DE LEIS NO TEMPO. TAXAS CONDOMINIAIS. JUROS MORATÓRIOS ACIMA DE 1% AO MÊS. PREVISÃO NA CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO. POSSIBILIDADE.

1. Em face do conflito de leis no tempo e, conforme prevê o art. 2º, § 1º, da LICC, os encargos de inadimplência referentes às despesas condominiais devem ser reguladas pela Lei 4.591/64 até 10 de janeiro de 2003 e, a partir dessa data, pelo Código Civil/02.

2. Após o advento do Código Civil de 2002, é possível fixar na convenção do condomínio juros moratórios acima de 1% (um por cento) ao mês em caso de inadimplemento das taxas condominiais.

3. Recurso especial provido. (REsp 1002525/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/09/2010, DJe 22/09/2010) [original sem grifos]

No judicioso voto, a em. relatora Ministra Nancy Andrighi assim concluiu:

Todavia, infere-se da leitura do art. 1.336, § 1º, do CC/02 que: (i) devem ser aplicados os juros moratórios expressamente convencionados, ainda que superiores a 1% (um por cento) ao mês; e (ii) apenas quando não há essa previsão, deve-se limitar os juros moratórios a 1% (um por cento) ao mês. Com efeito, o referido dispositivo não limitou a convenção dos juros moratórios ao patamar de 1% ao mês como o fez expressamente com a multa, que será de “até dois por cento”. Acrescente-se que, por ocasião da Lei 10.931/2004, que alterou, entre outros, o inciso I do art. 1.336 do CC/02, houve também proposta de alteração do § 1º, o que, contudo, não ocorreu em razão do veto presidencial.

No caso dos autos, a leitura detida do caput do art. 1.337 permite concluir que o Código Civil previu a hipótese genérica para aquele "que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio", sem fazer nenhuma restrição ou óbice legal de ser aplicada ao devedor contumaz de débitos condominiais.

Sem embargo da divergência, entendo que o condômino que deixar de adimplir reiteradamente a importância devida a título de cotas condominiais poderá, desde que aprovada a sanção em assembleia por deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos, ser obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald compartilham essa mesma linha de raciocínio, conforme trechos das transcrições abaixo:

Por tudo, despiciendo afirma que será considerada inválida qualquer cláusula constante de convenção condominial posterior a 11.01.2003 que estipule cláusula penal moratória superior a 2%. Como veremos, a única forma de sancionar com mais rigor o condomínio inadimplente será a imposição de multa correspondente até o quíntuplo do valor atribuído a contribuição para as despesas condominiais, com observância dos requisitos do artigo 1337 do Código Civil.

A incidência conjunta de cláusula penal moratória e juros de mora não é problemática e nem acarreta bis in idem. Uma coisa é a multa decorrente da execução tardia da obrigação, outra (juros moratórios) é o preço correspondente à privação do capital que deveria ser direcionado ao condomínio.

(FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Salvador: 2015, Juspodivm, p. 743).

Flávio Tartuce também encampa esse entendimento ao lecionar que "a este autor parece que o condômino que não cumpre reiteradamente com suas obrigações econômicas enquadra-se perfeitamente como antissocial perante dos demais, diante do não pagamento dos encargos que são coletivos" (TARTUCE, Flávio. Direito civil - Direito das coisas - volume 4. São Paulo: Método, 2015, p. 318).

Nessa mesma senda, confira-se o magistério da Fabio Ulhoa Coelho:

Qualquer que seja o dever inadimplido, quando for reiterado o descumprimento, o condômino expõe-se a sanção mais severa. A assembleia pode impor-lhe, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, multa suplementar, de até 5 vezes o valor da contribuição condominial (CC, art. 1.337). Cabe essa punição, por exemplo, quando o condômino é contumaz inadimplente da contribuição que lhe cabe no rateio das despesas do condomínio, estando constantemente em atraso. Este fato forçosamente onera os demais, que são obrigado a constituir um fundo de reserva por inadimplência ou a ratear entre eles o valor em débito enquanto não emendada a mora. (COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil - Direito das coisas e direito autoral. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 164).

Com idêntica concepção, as lições do eminente professor e Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Edson Fachin, bem como de Whashington de Barros Monteiro e Carlos Alberto Dabus Maluf:

O campo de aplicabilidade dessa sanção, que pode corresponder ao quíntupo da contribuição condominial, inclui a infração dos deveres de omissão, bem como do dever de adimplir pontualmente com a quota mensal. O condômino que reiteradamente deixa de adimplir sua contribuição para as despesas do condomínio pode ser instado ao pagamento de multa prevista no art. 1.337, conforme aferição da gravidade de sua conduta pela assembléia. (FACHIN, Luiz Edson; coordenado por Antônio Junqueira de Azevedo. Comentários ao código civil - volume 15 (arts. 1.277 a 1.368). São Paulo: Saraiva, 2013, p. 260-261).

Estabelece multa de até um quíntuplo da cota condominial para o condômino ou possuidor que é reincidente e não cumpre seus deveres perante o condomínio, podendo ser imposta, inclusive, ao condômino que reiteradamente não paga suas cotas condominiais, sobrecarregando os demais partícipes, e deve essa multa ser fixada considerando-se reiteração e a gravidade da falta, não eximindo o condômino infrator de responder por perdas e danos. (MONTEIRIO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito civil - ireito das coisas. São Paulo: Saraiva, p. 309-310).

Ainda: Elias Jonas Salgado, in Condomínio à luz do novo código civil (Ed. Servanda, 2008); Hamilton Quirino Câmara, in Manual prático com perguntas e respostas (Ed. Lumen Juris, 2010) e Zaiden Geraige Neto [et. al.], coordenado por Arruda Alvim e Thereza Alvim, in Comentários ao código civil brasileiro - da propriedade, da superfície e das servidões (Ed. Forense, 2004).

6. Por outro lado, observa-se também que a multa prevista no § 1º do art. 1.336 do CC/2002 detém natureza jurídica moratória, enquanto a penalidade pecuniária regulada pelo art. 1.337 tem caráter sancionatório, uma vez que, se for o caso, o condomínio pode exigir inclusive a apuração das perdas e danos.

Nesse contexto, não há cogitar, como aduz a parte recorrente, em bis in idem.

Nota-se que a utilização do termo "reiteradamente" pelo caput do art. 1.337 exprime conduta repetida, renovada e repisada pelo condômino. Assim, num primeiro momento, o condômino pode ter sido sancionado por um fato que infringe um dever previsto em lei ou em regramento interno e, posteriormente, diante da sua reincidência e gravidade, ser punido mais severamente, com base no mencionado dispositivo legal.

Infere-se, portanto, que o estatuto civil exige um agravamento da conduta capaz de colocar em risco a convivência com os demais condôminos, colocando em perigo, inclusive, a sua própria solvência financeira. É o que se infere da leitura conjunta do caput e parágrafo único do art. 1.337, nos quais a multa poderá ser elevada do quíntuplo ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais.

De mais a mais, tal posicionamento intensifica a prevalência da "solidariedade condominial", a fim de que seja permitida a continuidade e manutenção do próprio condomínio e impedir a ruptura da sua estabilidade econômico-financeira, o que provoca dano considerável ao demais comunheiros.

Valoriza-se, com isso, o princípio da eticidade, segundo o qual, nas palavras do saudoso Ministro José Delgado, citado por Flávio Tartuce, "o tipo de Ética buscado pelo novo Código Civil é o defendido pela corrente kantiana: é o comportamento que confia no homem como um ser composto por valores que o elevam ao patamar de respeito pelo semelhante e de reflexo de um estado de confiança na relações desenvolvidas, quer negociais, quer não negociais. É, na expressão kantiana, a certeza do dever cumprido, a tranquilidade da boa consciência" (TARTUCE, Flávio. Direito civil - Lei de introdução e parte geral - volume 1. São Paulo: Método, 2015, p. 80).

7. Com efeito, no caso concreto, o acórdão reconheceu que o regimento interno do condomínio recorrido, aprovado de acordo com o quorum exigido por lei, prevê que o "condômino inadimplente reiterado arcará com uma penalidade pecuniária de até 10% (dez por cento), cobrada 'pro rata die', calculada em 30 dias", conforme a transcrição abaixo:

Art. 48 - A multa imposta pelo art. 37 da Convenção do Condomínio, respeitados os art. 1336 e 1337 do novel Código Civil Brasileiro será: 1) De 2% (dois por cento), a título de multa moratória sobre todas as parcelas não adimplidas em seu termo final, e independentemente da concomitante penalidade; 2) juros moratórios de 1% (um por cento), ao mês; 3) o condômino inadimplente reiterado, arcará com uma penalidade pecuniária de até 10% (dez por cento), cobrada "pro rata die" calculada em 30 dias; e 4) correção monetária calculada pelo IPCA/IBGE, índice aprovado na Assembléia Geral Extraordinária, realizada em 31 de julho de 2003.

O aresto impugnado assevera, ainda, que "desde o ano de 2002 todos os pagamentos efetuados pelo apelado [ora recorrente] têm sido feito na via judicial, com atrasos que chegam a mais de 02 (dois) anos" (fl. 284).

Em outras palavras, penso que a atitude da recorrente viola os mais comezinhos deveres anexos da boa-fé objetiva, principalmente na vertente da cooperação e lealdade, devendo o julgador rechaçar veemente atitudes graves que colocam em risco a continuidade da propriedade condominial.

Sobre a importância da boa-fé, vale conferir, a propósito, as abalizadas ponderações de Ruy Rosado de Aguiar Júnior:

[...] O princípio da boa-fé significa que todos devem guardar fidelidade à palavra dada e não frustrar ou abusar da confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas, sendo, pois, mister que se proceda tal como se espera que o faça qualquer pessoa que participe honesta e corretamente do tráfego jurídico. (JUNIOR, Ruy Rosado Aguiar. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. São Paulo: Aide, 2003, p. 238)

Nesse contexto, o "condômino nocivo" ou "antissocial" não é somente aquele que pratica atividades ilícitas, utiliza o imóvel para atividades de prostituição, promove a comercialização de drogas proibidas ou desrespeita constantemente o dever de silêncio, mas também aquele que deixa de contribuir de forma reiterada com o pagamento das taxas condominiais.

Assim, diante dessas constatações, entendo que a conduta do recorrente se amolda ao preceito legal do caput do art. 1.337 do CC/2002, pois se trata de evidente devedor contumaz de débitos condominiais, apto a ensejar a aplicação da penalidade pecuniária ali prevista.

7. Por fim, não se desconhece a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que a partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002 a multa por atraso no pagamento de despesas condominiais estaria limitado a 2% (dois por cento), ocorrendo revogação do § 3º do art. 12 da Lei n. 4.591/1964 - que previa o percentual de 20% (vinte por cento) -, não se aplicado referido entendimento ao caso concreto por não tratar da específica hipótese de incidência do art. 1337, caput, do Código Civil:

A propósito, confiram-se os seguintes precedentes:

CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. COTAS CONDOMINIAIS EM ATRASO. MULTA CONDOMINIAL DE 10% PREVISTA NA CONVENÇÃO, COM BASE NO ART. 12, § 3º, DA LEI N. 4.591/64. REDUÇÃO A 2% DETERMINADA PELO TRIBUNAL A QUO, EM RELAÇÃO À DÍVIDA VENCIDA NA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL, ART. 1.336, § 1º. REVOGAÇÃO DO TETO ANTERIORMENTE PREVISTO, POR INCOMPATIBILIDADE. LICC, ART. 2º, §

1º.

I. Acórdão estadual que não padece de nulidade, por haver enfrentado fundamentadamente os temas essenciais propostos, apenas com conclusão desfavorável à parte.

II. A multa por atraso prevista na convenção de condomínio, que tinha por limite legal máximo o percentual de 20% previsto no art. 12, parágrafo 3º, da Lei n. 4.591/64, vale para as prestações vencidas na vigência do diploma que lhe dava respaldo, sofrendo automática modificação, no entanto, a partir da revogação daquele teto pelo art. 1.336, parágrafo 1º, em relação às cotas vencidas sob a égide do Código Civil atual. Precedentes.

III. Recurso especial não conhecido. (REsp 746.589/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 15/08/2006, DJ 18/09/2006, p. 327)

CIVIL E PROCESSUAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. COTAS CONDOMINIAIS. ATRASO. MULTA CONDOMINIAL DE 20% PREVISTA NA CONVENÇÃO, COM BASE NO ART. 12, § 3º, DA LEI N. 4.591/64. REDUÇÃO A 2%. IMPOSSIBILIDADE. DÍVIDA ANTERIOR À VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL, ART. 1.336, § 1º. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS N. 282 E 356/STF. EMBARGOS REJEITADOS.

I. A multa por atraso prevista na convenção de condomínio, que tinha por limite legal máximo o percentual de 20% previsto no art. 12, parágrafo 3º, da Lei n. 4.591/64, vale para as prestações vencidas na vigência do diploma que lhe dava respaldo, Código Civil/1916, como no presente caso.

II. Embargos rejeitados. (EDcl no AgRg no Ag 628.764/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 03/08/2006, DJ 28/08/2006, p. 293)

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE COBRANÇA - TAXAS CONDOMINIAIS - MULTA CONDOMINIAL DE 20% PREVISTA NA CONVENÇÃO, COM BASE NO ARTIGO 12, § 3º, DA LEI 4.591/64 - REDUÇÃO PARA 2% QUANTO À DÍVIDA VENCIDA NA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL - NECESSIDADE - REVOGAÇÃO PELO ESTATUTO MATERIAL DE 2002 DO TETO ANTERIORMENTE PREVISTO POR INCOMPATIBILIDADE - RECURSO PROVIDO.

1 - In casu, a Convenção Condominial fixou a multa, por atraso no pagamento das cotas, no patamar máximo de 20%, o que, à evidência, vale para os atrasos ocorridos antes do advento do novo Código Civil. Isto porque, o novo Código trata, em capítulo específico, de novas regras para os condomínios.

2 - Assim, por tratar-se de obrigação periódica, renovando-se todo mês, a multa deve ser aplicada em observância à nova situação jurídica constituída sob a égide da lei substantiva atual, prevista em seu art. 1336, § 1º, em observância ao art. 2º, § 1º, da LICC, porquanto há revogação, nesse particular, por incompatibilidade, do art. 12, §3º, da Lei 4.591/64. Destarte, a regra convencional, perdendo o respaldo da legislação antiga, sofre, automaticamente, os efeitos da nova, à qual não se pode sobrepor. 3 - Recurso conhecido e provido para determinar a redução do percentual da multa moratória de 20% para 2% para as parcelas vencidas após a entrada em vigor do novo estatuto civil.

(REsp 665.470/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 16/02/2006, DJ 13/03/2006, p. 327) [original sem grifos]

9. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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